4 verdades sobre fazer terapia

Sempre me achei uma pessoa equilibrada, tranquila, responsável, centrada, independente. O que os outros chamavam de bem resolvida. E tinha certeza de que essas eram características imutáveis em mim, de que eu seguiria ~plena~ pela vida inteira. Eu ignorava completamente o fato de que a mente, e o corpo, e o ser humano inteiro, na verdade, são bombas-relógio, que podem colapsar a qualquer momento. Qualquer mesmo.

Meu colapso começou entre os 25 e os 26. Sucesso profissional, relacionamento estável, vida sexual ativa, boletos pagos, saúde pra dar e vender – tirando uma crise de rinite aqui e uma amigdalite ali. Aparentemente, nada de errado com esse um metro e cinquenta e sete de massa corpórea que vos fala. Até que, sem nenhum estopim ou motivo aparente, tudo perdeu o sentido para mim. A vida ficou sem graça, as pessoas ficaram sem graça, o trabalho ficou ainda mais sem graça. Eu olhava ao meu redor e tinha a certeza de que alguém havia criado tudo aquilo e me jogado ali no meio, mais ou menos como a gente faz com os coitadinhos dos personagens do The Sims. Eu me olhava no espelho e não sabia quem eu era, o que eu queria, do que eu gostava. Diante de tantos problemas que simplesmente surgiram na minha cabeça de um dia pro outro, a minha mais sincera vontade era fazer o Jesus Cristo – me fingir de morta e sumir por três dias. Três meses. Três anos.

E seria uma reação válida. Fugir é sempre uma alternativa a ser considerada. Mais do que isso, fugir, às vezes, é o melhor que a gente pode fazer. Mas, de certa forma – e inconscientemente –, eu percebi que nada se resolveria se eu apenas fizesse as malas e picasse a mula. Por uns dois ou três meses, poderia até resolver. Ver gente nova, conhecer lugares novos, comer comida nova, viver uma cultura nova – o novo é ótimo, porque demanda dedicação para ser apreciado e compreendido. Mas depois de um tempo, vira mais do mesmo. Pretinho básico em festa de formatura, pomba no centro de São Paulo, traça em sebo. A verdade, dolorosa e com ares de clichê de internet, era que, antes de querer mudar qualquer coisa de fora, eu precisaria me mudar por dentro.

E foi aí que eu me entreguei à terapia num momento de desespero. Sabe gente que só lembra que seu deus – independentemente de qual ele seja – existe quando tá em desgraça? Sou dessas. Sou muito dessas. E hoje, completamente convertida, queria uns minutinhos da atenção de vocês pra fazer a minha pregação.

1 – A psicoterapia não vai resolver absolutamente nada na sua vida

Nem na minha. Só na do psicólogo, que, com sorte, vai conseguir pagar as contas com o dinheiro que ele ganha trabalhando no consultório. Como em qualquer tipo de tratamento, a gente deposita uma expectativa enorme sobre as sessões de psicoterapia. Acha que, mágica e finalmente, vai se livrar de um relacionamento abusivo, de pais negligentes, de um patrão assediador, de uma escolha profissional infeliz. Ledo engano, lindos. O psicoterapeuta não resolve nada. Não é ele que vai passar a mão no telefone e dar um basta no seu namoro. Muito menos bater na porta do escritório do seu chefe e pedir pra conversar. Seja o seu problema qual for: você é que vai ter que resolver. Grown people problems.

2 – Psicoterapia dói

E muito. Sabe a sensação de enfiar o dedo na ferida e cutucar até chegar no nervo? Psicoterapia é isso, só que um pouco pior. A cada sessão, a gente aprofunda o contato com o que há de melhor – e de pior – dentro de nós. Imagina que morte horrível pra uma feminista teoricamente livre descobrir que, no fundo, no fundo, é uma pessoa tradicional, presa a um monte de amarras sociais e que hospeda internamente um patrãozinho autoritário e sistemático. Experiência própria. E eu tenho certeza de que há um monte de podres dentro de você que não demorariam três meses de terapia pra vir à tona. Portanto, se você está à procura de alguém que passe a mão na sua cabeça e te dê razão, não procure um psicoterapeuta. Converse com a sua mãe. É mais quentinho, aconchegante e cheiroso.

3 – Vez ou outra, dá vontade de faltar

Ou de chegar atrasado – isso eu pratico toda semana. E por mais que a gente ache que a culpa é do ônibus que demorou a passar, do atalho errado que a gente pegou ou do guarda-chuva que a gente esqueceu em casa e voltou pra pegar, tem um dedão nosso nessa história toda. O subconsciente é um universo tão vasto e tão complexo que é capaz de fazer coisas que a gente desacredita.

4 – Contar suas intimidades pra um mero desconhecido é muito mais confortável do que se abrir pra um amigo

Muito, mas muito mais. Em primeiro lugar, porque o seu amigo muito provavelmente conhece nome, sobrenome e cara de todas as personagens envolvidas nas suas histórias. Em segundo, porque amigo é sempre tendencioso – se ele quiser que você volte com o seu ex, vai fazer toda aquela propaganda disfarçada de conselho. E em terceiro, porém não menos importante, porque é muito mais fácil ser livre com quem não se tem intimidade. É a mesma coisa que chegar sozinho a uma cidade do outro lado do mundo. Lá, meu bem, você pode ser o que quiser. Prostituta, vendedor de bijuteria na praça, balconista num café. Vai ter gente te julgando? Sim. Aos montes. Mas é bem mais confortável ser julgado por quem não conhece nenhum triz da nossa história.

Agradeço desde já pela atenção dispensada. Que deus Freud os abençoe. Fiquem na paz de Lacan. Ou na ausência dela.

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