A liberdade incomoda

Mais uma vez, eu não fui o que eles esperavam de mim. Você sabe de quem estou falando: os outros, a sociedade, o mundo. Eles, que não compram o meu café, não selecionam as minhas playlists, não pagam os meus boletos. As pessoas que não se deitam no meu travesseiro, não partilham das minhas agonias nem dos meus triunfos.

Eles disseram que eu deveria usar terninho porque eu fico mais elegante, e mesmo que a elegância – neste caso, a falta dela, e eu honestamente não dou a mínima – seja minha, eles se incomodam que eu use vestidos coloridos em vez de roupas sociais com risco de giz.

Eles disseram que eu deveria chegar cedo, porque as pessoas reparam nessas moças que chegam de madrugada algumas vezes por semana. E mesmo que a quantidade de cascos de cerveja embaixo da mesa do bar que frequento não seja da conta deles (agora literalmente), eles se importam.

Eles esmagaram meus pés num salto quinze, e me ver usando tênis ou botas surradas lhes parece ultrajante. Eles espremeram os meus peitos em um sutiã e agora meus mamilos livres apontando sob a camisa lhes soa como um insulto.

Eles deceparam a minha sexualidade. Disseram-me que mulher que dá na primeira noite é uma despudorada. E agora que não me importo em ser uma despudorada, eles se incomodam. Meu orgasmo é quase tão ofensivo quanto os meus mamilos apontando sob a camisa – mas os mamilos são sempre mais ofensivos do que qualquer coisa (eu realmente não sei o que essa gente tem contra mamilos femininos).

Eles disseram que eu não deveria arrotar alto ou falar sobre política – ter opinião é muitíssimo ofensivo quando tudo o que você precisa é ser uma mocinha – e agora cada frase minha lhes parece irritante.

Agora que não tenho modos, eu incomodo.

Agora que eu não sou o que eles esperam, eu sou o próprio insulto. Eles me disseram pra não viver, pediram que eu me contentasse em existir sob o crivo daquilo que me disseram que fizesse, e agora que me recuso, eu não passo de uma mulher sem classe.

Eles não sabem, mas eu troquei o recato e a classe por um sorriso largo de liberdade. E sorrisos largos, esses sim, incomodam mais do que mamilos apontando sob as camisas.

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