A mocinha das mocinhas

Dizem que tudo o que um escritor escreve é autobiográfico. Dizem também que todas as mulheres que um escritor descreve – até mesmo as mais diferentes e/ou com personalidades extremas, possuem um pouco da personalidade que o escritor gostaria que a mulher ideal tivesse. Bom, eu não fujo à regra. Tudo o que eu escrevo tem um quê autobiográfico – mesmo que eu roube de alguém e se torne uma “autobiografia de outra pessoa”, com a devida licença poética. E conquanto eu não fugisse à regra das mulheres, todas as minhas mocinhas possuem bastante do que eu gostaria que a mulher ideal tivesse. Mas a verdade é: essa mulher não existe. Ela seria uma colagem bizarra e sem sentido de qualidades absolutamente sem relação uma com a outra.

Mas escritor é idiota, se fosse normal seria engenheiro ou médico. E como todo idiota, a gente fantasia a “mulher colcha de retalhos”. Cada característica destas que a gente bota em uma personagem, a gente inveja um pouco o nosso mocinho, porque ele tem a mulher que nós – nem ninguém – nunca vamos ter. Quer dizer, que nós achávamos que nunca teríamos. Porque eu encontrei a minha mocinha.

Não foi amor à primeira vista, até porque eu não acredito em amor à primeira vista. Digamos que tenha sido amor à primeira “puta que pariu, como eu não percebi isso antes?”. Foi meio do nada, e, apesar de eu falar pra ela que não lembro do primeiro “estalo” que me deu de querer que ela fosse minha – me perdoem as feministas pela expressão – eu sei muito bem. Foi quando um dia ela estava voltando para a sua mesa e esbarrou na impressora. Foi um barulho enorme, e todo mundo olhou. E ela sentou rápido na sua cadeira e, nesse exato momento, me deu o estalo. Ela sentou tão fofa, tão linda, tão charmosa, tão “cara, acabei de derrubar uma impressora de dois mil reais mas eu sou fofa, linda e meiga, o que eu posso fazer?”. E aquele foi o estalo. Ali eu, por alguns segundos, fiquei em dúvida se aquilo era verdade ou se eu, sem querer, estava sonhando com alguma personagem que eu mesmo havia escrito.

Ela era cada uma e todas as mocinhas que eu já havia escrito. Bonita, inteligente, sexy, um vulcão na cama, engraçada, um pouco desastrada pra dar um tom casual, descolada, irritadinha na medida pra você poder falar que ela fica linda bravinha sem perder os dentes, amada pelos amigos, fofa de fazer festa surpresa de aniversário pra você etc. Era ela. Eu tinha escrito ela cada dia da minha vida, a cada linha de cada texto meu desde a minha primeira redação sobre “Como foram as suas férias em Iguaba Grande”, quando eu descrevi uma menina que eu gostava mas ela zombava de mim por causa dos meus óculos. Exatamente como ela, hoje, faz. Cada uma e todas ao mesmo tempo.

Mas é claro que, como toda colcha de retalhos, tem coisas que fogem do nosso controle: o fio pode ser mais grosso do que esperávamos, a costura pode ficar meio torta, ela pode ser um pouquinho mais irritadinha do que a gente tinha idealizado etc. Mas nada disso nos tira a satisfação e a felicidade de ter conseguido encontrar a colcha de retalhos perfeita. Tudo bem que vai dar trabalho botar cantoneira nos móveis pra ela não se machucar, não deixar a TV na ponta da mesa pra ela derrubar e tomar cuidado pra ela não pisar nos seus gatos a cada passo. Mas nada disso importa tanto. Não tanto quanto os peitos lindos que vieram junto com ela e que eu nunca tive a competência e a criatividade de descrever.

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