A paixão cega as diferenças

Da rádio pop que toca no seu carro ela não sabe nem o nome. Você cantarola as canções da moda e ela te olha como se você estivesse falando tcheco. Quando você zapeia o rádio e para em uma rádio brasileira, você corre para tirar daquela música chatíssima que está tocando, mas ela pede para deixar e diz que adora o Caetano. Dos filmes que ela ama, mais da metade você não teria visto até o final se não fosse dever do ofício e, dos seus cinco filmes favoritos, mais da metade ela acha “pop” demais e bobos. Ela ama Los Hermanos, e você não consegue pensar em algo no mundo mais chato que eles.

Ela tem vários amigos músicos, adora música, e você não sabe tocar nem chocalho. Ela tem amigos doutorandos, professores de faculdade e cineastas. Você tem amigos porteiros, escritores decadentes e blogueiros. Só no quarto dela tem mais móveis do que em toda a sua casa, contando o sofá na sua varanda e o banco no corredor de fora. Você frequenta redes de fast food e barracas de cachorro-quente, ela encontra os amigos em restaurantes italianos ou japoneses caros da zona nobre.

Ela é de esquerda e você de direita. Os pais dela lêem Carta Capital e Isto É. Você lê a Veja e a Folha de São Paulo. Ela come salada e peixe grelhado com chá de lichia, enquanto você comer hambúrguer, batata frita e Coca Cola. Ela lê os existencialistas franceses e os filósofos alemães, enquanto você faz compras de mês na lista dos dez mais vendidos do jornal de domingo. Ela tem mestrado e você largou três faculdades diferentes. Você fala que a ama a cada cinco minutos, mas para arrancar um simples “adorei o dia hoje” dela, só à fórceps. Ela torce para o Flamengo, e você é tricolor até o último fio da cabelo.

Ela é bonita, inteligente e mais velha que você. Já você é um adolescente de trinta e três anos, que usa brincos e camiseta de desenho animado. Ela, cuca fresca, calma e despreocupada. Você, ansioso, arrogante e ranzinza. E ainda assim vocês se conheceram e você se apaixonou à primeira vista. E ainda assim ela te faz cafuné como se você fosse a soma de tudo o que ela sempre quis em um homem. E ainda assim você acha lindo quando você faz um discurso de vinte minutos sobre o que você sente, e ela só dá aquele sorriso mais lindo do mundo. E ainda assim ela se orgulha de você e fala para todos o quanto você é coisas que obviamente você não é. E ainda assim, quando ela se aninha no seu peito para dormir e você fica olhando, enquanto ela adormece fazendo carinho na sua barriga, nada mais importa. Nem o Caetano, nem a direita, nem a esquerda, nem os existencialistas nem as rádios pop. Mas Los Hermanos continua proibido.

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