A síndrome do final feliz

Vez ou outra, ao invés de escrever textos para tentar fazer com que o leitor enxergue um ângulo melhor da vida, eu produzo contos totalmente desprovidos de caráter instrutivo. E, com tais agrupamentos de letras, eu não espero mudar os paradigmas morais do leitor ou transformá-lo em uma pessoa melhor. Nesses casos, organizo meu exército de palavras com o objetivo único de incitar sensações naquele que estiver disposto a me ler. Só isso. Quero, com esse tipo de conto, que se difere das fábulas por não apresentar lições de moral, gerar tesão, alegria, plenitude e, até mesmo, sentimentos torturantes como a agonia, o medo e o desconforto. E, se assim eu fizer, com certeza, dormirei tranquilo por saber que consegui atingir o meu objetivo.

“Entendi. Mas onde é que o Ricardo quer chegar dizendo tudo isso?”, devem estar se perguntando. Eu respondo: quero abordar uma característica – a meu ver ruim – que ando reparando em um número considerável de pessoas. Algo que eu, carinhosamente, apelidei de “síndrome do final feliz”. Condição que faz com que muitas pessoas sejam incapazes de gostar de qualquer manifestação cultural que, no último capítulo, parágrafo ou pincelada, não expõe uma situação na qual ocorre um triunfo definitivo do bem ou a destruição completa de um problema. Os afetados por essa síndrome podem ser facilmente reconhecidos, pois eles, comumente, odeiam filmes que terminam de maneira diferente das novelas escritas pelo Wolf Maya e não suportam expressões cujo mocinho – como acontece na vida real – não apresenta características que o torne algo completamente diferente do vilão. Você pergunta se eles gostaram do filme e, graças à ausência de casamentos no final e à vitória inesperada do traficante, com uma tromba do tamanho do pênis do Kid Bengala, eles fazem uma cara de “preferia ter ido para uma reunião de condôminos”.

Entendo que gosto é gosto e que, da arte, todo mundo tem o direito de esperar o que quiser. Porém, quero deixar uma opinião bem clara: o “Cinema Lexotan” e outras manifestações culturais que possuem, unicamente, a intenção de lotar bilheterias graças à capacidade que possuem de amortecer a realidade do expectador e de fazer com que ele se esqueça da existência dos “baixos” na vida, têm criado personalidades mimadas há um bom tempo. Da mesma maneira agem os comerciais de margarina quando simulam uma vida em que, invariavelmente, o céu é azul e as fatias de pão, quando ousam cair, sempre contrariam a “Lei de Murphy”. Isso faz com que seres criem expectativas inalcançáveis e, consequentemente, com que sofram por, obviamente, nunca chegarem nem perto de tocá-las.

Por isso que tenho um amor incondicional pela obra de autores como o Bukowski e Rubem Fonseca. Pois eles, em nenhum momento da carreira, produziram conteúdo com o intuito de maquiar a realidade em que estamos inescapavelmente imersos. Pelo contrário, em vez de utilizarem frases de efeito anestésico e alienador, eles sempre fizeram questão de, através da ficção, esfregar a cara do leitor na aspereza inevitável da existência humana. Acho que esses gênios da literatura, da mesma forma que eu muitas vezes tento fazer, com grande parte do que produziram, desejaram apenas gerar sensações – boas e até ruins – naquele que manifestasse o interesse e a coragem necessária para lê-los.

Dizem por aí que a arte imita a vida e, se você acredita nisso e compreende a impossibilidade de controlarmos as variáveis dolorosas da nossa existência, entenderá o quanto, infelizmente, seja nos filmes ou em seu dia de amanhã, as coisas podem não ter um final feliz. Aliás, como é que a vida pode ter um final feliz se tudo sempre acaba em caixão? Se você é espirita ou acredita na existência de vida após a morte, por favor, desconsidere a pergunta anterior.

Sei que, neste exato momento do texto, os portadores da “Síndrome do Final Feliz”- se é que eles conseguiram chegar até aqui – estão com vontade de incinerar meu demasiado realismo e de reler, em ritmo de mantra, a parte do livro que diz: “No fim tudo dá certo, e se não deu certo é porque ainda não chegou ao fim.”. O que posso fazer? Todo mundo tem uma rota de fuga. Alguns bebem, outros usam drogas, outros vão ao bingo e muitos – até mais do que você imagina – recorrem aos filmes que, para fazer com que o expectador acredite na eterna vitória do bem contra o mal, seguem, fielmente, os estágios da “Jornada do Herói”, de Joseph Campbell.

Quer a moral da história? Este texto, ao contrário dos que citei no primeiro parágrafo, possui uma sim. Aí vai: a arte, para assim ser considerada, nunca precisou de moral da história ou de um final feliz. E, meu caro, saiba que a vida, para assim ser considerada, nem se você espernear como uma criança que saiu da loja sem conseguir comprar brinquedo, imitará a arte antidepressiva feita pela máquina de Hollywood somente para transformar o esperança de famílias comedoras de pipocas em lucros consideráveis.

Comentar sobre A síndrome do final feliz