Brilho eterno de uma mente sem lembranças: um filme que não da pra esquecer

“Feliz é a inocente vestal
Se esquecendo do mundo e sendo por ele esquecida
Brilho eterno de uma mente sem lembranças
Toda prece é ouvida, toda graça se alcança.”

Quem não se lembra? Ele, meio bobão, pacato, introspectivo, apagado e assumidamente desinteressante. Joel parece até aquele ator, como é o nome mesmo? Ah, o Jim Carrey, o das comédias, do sorriso repetitivo! Ela, um cataclisma: extrovertida, espalhada, leviana, fervente, sincera. A gente sabe que é Kate Winslet em uma das suas melhores brincadeiras, dando amor a Clementine, o grande prisma da trama. Enquanto ele é côncavo, ela esbanja convexidade. O casal de protagonistas contrapontuam o tempo todo, e a graça é essa. Joel é um recipiente transparente para que vejamos quem é Clementine, a moça que muda de vida pela cor dos cabelos. Uma personagem que vibra em nós, que poderia ter qualquer aparência, que ainda assim saltaria de dentro para fora e nos acertaria em cheio.

Duas personalidades que quase se completam, quase. O roteiro de Kaufman apresenta uma eficiente estrutura ao nos contar a história em forma de recordação. Esse artifício narrativo favorece o nosso entendimento em relação à paixão dos protagonistas, o amor revivido parece estar em negrito. Nesse filme, a ideia de completude é um pouco combatida: se os tais encaixes realmente existissem, todo relacionamento seria harmônico, compatível, apolíneo. Mas, ao mesmo tempo, o outro que se relaciona conosco é uma peça que faltaria, caso o olhássemos do futuro. O outro provoca algo em nós, e disso nunca poderemos fugir, sem o outro não seriamos o nosso eu-agora.

Enxergo algo de infantil na ideia de que as experiências ruins devem ser ignoradas para não doerem. A facilidade apresentada pela tecnologia de “formatação” do filme é também um indício de que estamos cada vez menos resistentes a dor. E aprender sobre a dor é um mecanismo de sobrevivência futura, a dor faz com que nos sintamos vivos, é como um banho de água gelada. Fico pensando como o mundo seria se realmente existisse essa tal empresa chamada “Lacuna”. E se a gente pudesse apagar mágoas, decepções, pessoas, traumas, gafes, amores? E se você pudesse escolher uma coisa para apagar da memória, qual seria?

Não sei, mas eu nunca encontrei alguém que soubesse me dizer quando exatamente o amor se apaga. Qual o componente cósmico que substitui ou elimina aquele nosso pensamento obsessivo, aquela música tema que dê frio na barriga, aquele lugar que desperta um milhão de foto-lembranças. Talvez a expressão ‘brilho eterno’ venha dessa luz sem interruptor, que só apaga por vontade própria, que não encontra imperativos no campo mental, o amor mora em algum lugar que a gente nunca chega, apenas sente.

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