“Como se fosse a primeira vez “ e o tempo que a gente amava todos os dias

Conservo nos floridos vasos da memória os casais que se perpetuam no cinema. São vários: Bradley Cooper e J-Law, Julia Roberts & Richard Geere, Jack & Rose {Titanic], A Dama & o vagabundo, Ethan Hawke & Julie Delpy, Joseph Gordon-Levitt & Zoey Deschanel, o casal de Ghost, Glória Pires & Tony Ramos. O filme terminou, mas eles sobreviveram ao “The End”. Aquela reação química que ultrapassa a tela e arrebata o público. A relação ficcional que de tão convincente, nos desperta lembranças sufixais. Quando, por exemplo, me lembro de Adam Sandler, consequentemente penso em Drew Barrymoore. É um casal que vai sempre existir no meu imaginário, sem de fato ser real, isso mostra o quanto o cinema é capaz de continuar em nós, impregnando na nossa mente um laço cheio de fiapos do amor. O filme em questão? “Como se fosse a primeira vez”.

Falar mal de Adam Sandler talvez seja o esporte predileto de nove a cada dez cinéfilos ou críticos. Talvez por apostar sempre em comédias com piadas questionáveis e também por ser figura fácil no troféu “Framboesa de Ouro” que elege os piores desempenhos dos filmes de cada ano. Adam possui dez indicações e já levou o prêmio quatro vezes. Recentemente o ator foi eleito pela revista “Forbes” como o menos rentável de Hollywood em 2014 – lembrando que a lista levava em conta apenas atores com grandes salários e estatísticas de retorno medianas. Mas o ator parece agradar quando o assunto é essa comédia romântica, especificamente essa.

A ideia principal do filme é interessante. Uma moça possui problemas de memória causados por um acidente de carro. Ela tem perda de memória recente e só se lembra das coisas até o dia de seu acidente. Ao conhecê-la, o biólogo marinho Henry acaba se apaixonando por ela e precisa encarar a tarefa de conquistá-la todos os dias de alguma forma diferente. Essa ideia na vida real torna-se um tanto atrativa quando pensamos que as relações, devido à rotina, entram em um piloto automático e as pessoas se esquecem do cortejo e do esforço inicial, do famoso ritual da conquista.

O interessante da (não) relação entre Henry e Lucy é o fato da lógica de barganha não possuir legitimação. Ao esquecer-se no dia seguinte de tudo o que Henry faz para conquistá-la, Lucy faz com que ele nunca se condicione às promissórias conjugais – aquelas que a gente joga na cara do nosso par, como forma de culpá-lo e fazer com que ele se sinta devedor na relação. Não há como cobrar ingratidão do outro, se não há memória. A ausência de passado é ar fresco e ao mesmo tempo um fator que impede o comodismo.

As peripécias do filme acontecem num maravilhoso Havaí de cenário. Tudo parece inspirador e pra pessoas levianas como eu, a ideia de tentar ser incrível todos os dias, talvez não seja nenhum absurdo no mundo idealizado. Mas, a pergunta é: quem na vida real consegue ser diariamente uma catarse em relação ao outro? Acho cafona culpar a tecnologia por tudo, mas com tantos apps e oportunidades de fast-love, será que as pessoas não estão se desinteressando pela conquista prolongada, mesmo que o romance imaginado continue sendo algo legal? Conheço um tanto de gente que nunca se sentiu tão perdida dentro dessa abundância de opções. Quem reclamava da falta de opção, talvez hoje seja vítima justamente da queixa anterior, só que hoje a falta se dá pelo esquecimento em meio à imensidão. Onze anos depois da estreia desse filme, quem ainda deposita todas as suas fichas no mesmo objetivo? Quantos centavos de paixão equivalem a um real amor?

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