É tudo culpa da mãe

Na porta da escola, a mãe desentrelaçou seus dedos dos do filho, entregou-o de mau grado a um funcionário, disse tchau na velocidade de um soluço e virou o corpo num meio giro rápido o suficiente para que ninguém pudesse ver as lágrimas que envergonhavam seu rosto molhado.

Já assisti a essa cena algumas vezes na vida. Assisti pelo ângulo da filha, inclusive. E confesso que sempre fico igualmente intrigada com todos os sentimentos que perturbam o coração de uma mãe.

A mãe já sai culpada da maternidade. Sai culpada por não poder dar o primeiro banho no filho. Por não conseguir amamentar de primeira. Por não ter leite suficiente. Por ter que deixar seu bebezinho na incubadora.

Ela convive com a culpa dia após dia. Se o marido não participa da criação dos filhos, a culpa é da mãe que o acostumou mal. Se os filhos não obedecem, a culpa é da mãe que não soube criar. Se passam muito tempo na escola, a culpa é da mãe que não tem tempo para eles.

Ninguém perdoa os erros de uma mãe. É como se elas tivessem sido previamente treinadas para exercer essa estranha função de cuidar de uma vida iniciante. A jornada não admite erros. A culpa é sempre delas.

Se os filhos crescem e viram babacas, não tenha dúvidas, a culpa é da mãe. Se apitam mal o jogo, se traem a namorada ou dirigem desgovernadamente e te fecham numa esquina congestionada, certamente a culpa é da mãe, aquela puta. Aquela égua. Rapariga. É tudo culpa dela.

É culpa da mãe que não teve pulso firme. Que acostumou mal. Que é frouxa. Que gritou com os filhos. Que os trancou em casa. Que não deu liberdade.

Deve ser a função mais difícil do mundo. Um caminho sem volta. Uma culpa eterna a carregar. O filho é para o mundo, mas ai dela se não souber cuidar.

Elas dizem que vale a pena; que é recompensador ter um filho para amar. Mas eu sei que não é bem assim. Tudo que eu queria era poder aliviar. Queria dizer para ela relaxar e parar de se responsabilizar. Dizer que isso é tudo lengalenga. Que ela não tem culpa alguma a cultivar. Dizer para ela pegar um trocado na minha bolsa, sair para beber cerveja e não ter hora para voltar. Dizer que estarei em casa esperando acordada porque não sou desleixada assim para dormir enquanto minha mãe está bebendo no bar. Dizer que ela é maravilhosa e tem culpa sim. Culpa de eu ter aprendido a amar.

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