Lembro de mim apaixonado

Eu ainda lembro. Eu tive que procurar nos meus e-mails antigos pra ver a última vez que nós nos vimos, mas eu ainda lembro. Faz quatro anos. Ou cinco, os e-mails não eram claros. E desde que nós ficamos pela primeira vez eu lembro de cabeça, foi há onze anos. E eu ainda lembro. E o pior, lembro bem. Lembro de você, ao meu lado, sem graça, com vontade de me beijar, sabendo que eu queria te beijar, só esperando eu tomar a iniciativa — e eu nunca te decepcionava. Lembro do primeiro segundo de cada beijo nosso, você sempre reticente, começando o beijo com um estalinho, como quem diz “eu tava morrendo de saudade, idiota”.

Lembro da textura da sua língua na minha — textura essa que eu nunca mais experimentei na minha vida. Me tirava do chão. Lembro da sua boca — me perdoem o clichê — tão macia que dava até medo de mordiscar. Parecia uma boca que nunca tinha beijado ninguém. Lembro — e isso eu lembro muito bem — de abrir os meus olhos durante o beijo e ver os seus olhos semicerrados, quaaaase fechados, mas querendo abrir, as pálpebras tremendo. Eu me iludia que era vontade de estar comigo. Lembro que, mesmo se nós estivéssemos brigando no segundo anterior — e isso era comum — o nosso primeiro beijo do dia era sempre carinhoso, devagar, apaixonado — pelo menos da minha parte.

Aliás, lembro de mim apaixonado, sofrendo por você, enquanto você não sabia se casava ou comprava uma bicicleta. Anos depois casou, não comigo. Lembro bem que eu, apaixonado de verdade, sempre achava que você não gostava de mim, mas que esse pensamento logo ia embora quando você passava a sua mão trêmula na minha nuca durante o beijo, e quando, depois do beijo, você mantinha os olhos fechados por vários segundos. Longe de você, eu tinha certeza de que você só me queria para sexo — mesmo que, pasmem, nós nunca tenhamos feito sexo. Mas perto de você eu tinha a mais cristalina certeza de que você estava tão apaixonada quanto eu. Hoje, friamente, eu não arrisco um palpite.

Mas eu lembro da sua empolgação em falar comigo durante as nossas conversas. Lembro demais do soquinho que você me dava no braço quando eu falava uma bobagem. Lembro muito bem de você fingindo — orgulhosa e triunfante — que não queria me beijar, mas se entregando completamente segundos depois do beijo. Lembro de como nos tratávamos por “tratante”, em virtude das épocas em que, ora eu, ora você, sumíamos da vida um do outro. Aliás, nos tratamos assim até hoje. Como você mesma já disse, é o nosso “apelidinho íntimo”. Enfim, Tá na hora de renovar meu estoque de memórias. Saudade de você, tratante.

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