Mais que uma história de amor – Capítulo 1

por Léo Luz

Esse é o primeiro capítulo do meu romance, que vai ser lançado em novembro (espero). Dêem suas opiniões aí nos comentários se gostarem, e se não gostarem guardem esse sentimento ruim só pra vocês.

“Julia, vamos ao cinema hoje?”. Essa frase simples, banal, que é dita milhões de vezes todos os dias, foi o recomeço de tudo. Pedro havia ganho dois convites para uma pré-estréia e havia chamado outra pessoa, que havia recusado o convite pois nosso herói estava apaixonado por ela e ela tinha namorado e não queria confusão. Mas essa recusa, que em princípio deixou Pedro bem abalado, veio a se tornar um divisor de águas, como os amigos poderão ler já, já. E se deu que sem a companhia de sua mais nova paixão ele resolveu chamar uma amiga que ele tem certeza que gostaria do filme: Julia. O convite foi feito sem absolutamente nenhuma segunda intenção. Julia havia perdido o noivo, com quem se casaria em alguns meses, em um acidente aéreo e Pedro não seria capaz de nada a não ser fazer o que eles sempre fizeram um pelo outro: be there. E o convite foi feito e prontamente atendido.

Se encontraram perto do cinema e, enquanto caminhavam, a própria Julia fez uma observação deveras importante para o andamento da nossa história. Enquanto andavam, ela falou um pouco sobre o noivo e, quando viu que ela iria chorar, Pedro segurou sua mão e deu um abraço nela. Normal, até aí nada demais. Porém, eles continuaram andando de mãos dadas, até que ela olhou paras as mãos e disse rindo:

    – Olha! É a primeira vez que nós andamos de mãos dadas! Nosso primeiro encontro de verdade em público.

Neste momento eu devo exercer minha autoridade de narrador onipresente e explicar. Fazia onze anos desde a primeira vez em que Pedro e Júlia ficaram. Onze anos. Neste período, não houve um dia, um segundo sequer, que eles tenham se encontrado estando ambos descompromissados com outras pessoas. Foram onze anos. Onze anos, três mil, setecentas e oitenta e duas horas juntos, setecentos e doze beijos e sete namorados – ou namoradas – pra cada lado desde o primeiro beijo. E desde lá, nunca haviam andado de mãos dadas. Eu não disse quase nunca. Eu disse nunca. Sempre se encontravam quando um ou outro estava namorando ou enrolado, desde a primeira vez. E antes que me perguntem, estes dados são meus, logicamente que nenhum dos dois sabem estes números. E como eu sei? Eu sou O Narrador Onipresente. Eu sei de tudo, ora bolas.

Bom, terminado o flashback romântico, voltemos aos dias de hoje. E de mão dadas eles entraram no cinema. Enquanto faziam hora para entrar na sala, entraram em uma livraria e lá passaram nada menos que quarenta minutos simplesmente andando e conversando. Neste meio tempo, a cabeça do nosso herói começou a ventilar idéias que não deveriam estar por lá. E nestas idéias, ele começava a ver Julia como mais que uma melhor amiga. Ele começou a vê-la como a quase namorada de onze anos atrás, que agora poderia, finalmente, sê-lo. E enquanto andavam, e andavam, e andavam, Julia agia com a inocência com a qual sempre agia com ele: falando pertinho, abraçando etc. Como alguém que fala com alguém de muita confiança, sem medo de nada.

Avessa à essa confusão pela qual passava a pobre mente de Pedro, Julia vagava e vagava pela livraria, como uma orgulhosa fada caminha por entre suas flores preferidas. De repente, como se saísse de um transe, ela fala como se tivesse lembrado que esqueceu o ferro ligado em cima da cama:

    – Ei, eu não tenho seu livro! Nem o autógrafo! Eu li e reli aquilo mil vezes, revisei e nem tenho um!
– Não tem?? Como assim? Vou te dar um, tá na mala do carro.
– Acho bom, não volto pra casa sem o livro e sem o autógrafo do autor com uma dedicatória daquelas, pra quando você morrer eu usar ela como prefácio do meu livro!
– Só o autógrafo? Não quer levar o autor pra casa também não? Até porque, eu vou passar uma vergonha tremenda se eu tentar te beijar e você recusar. Não estamos mais no meu quarto.

E depois deste arroubo improvável de perspicácia e coragem, nosso herói, com as pernas mais bambas que castelo de cartas perto do ventilador, beijou Julia. E ali, na frente da seção de Psicologia Canina, bem escondidinho, Julia virou o rosto e recusou o beijo.

– Desculpa pela vergonha… – Julia disse isso e saiu um pouco de perto. Pedro ficou triste mas entendeu, em virtude do que havia acontecido antes. Saíram da livraria e foram para a fila. Em alguns minutos a constrangedora situação já havia sido esquecida, e a conversa seguia animada. Entraram na sala e se sentaram bem na frente. O filme era ótimo e tinhas várias passagens que causaram trocas de olhares entre os dois. Mas, já desesperançoso, Pedro sequer tentou algo. Com muito receio ele passou o braço por cima da poltrona, e, inesperadamente, Julia puxou sua mão e se aninhou no seu ombro. Aquela mulher de um metro e setenta e cinco de altura estava agora com as pernas dobradas de lado, com o braço de Pedro ao redor do seu pescoço, aninhada no seu ombro, com uma mão entre as pernas e a outra fazendo carinho na mão de Pedro que caía sobre seu colo. E assim eles viram, na tela, beijos abraços, cenas de sexo e brigas. E Julia lá, aninhada, como uma menininha que vê um filme nos braços do pai, protegida do mundo.

O filme acabou e eles decidiram ir andando até o carro, que havia ficado uns cinco quarteirões à frente. Ao sair do cinema, Pedro pegou a mão de Julia, e disse: “Agora a gente pode!”, e Julia riu e deu a mão a ele. E eles andaram bons três quarteirões assim: de mãos dadas, balançando as mãos como dois adolescentes, conversando, rindo… Falando banalidades, sem preocupação sem parecerem inteligentes ou cultos. Aquela caminhada seria uma cena perfeita de um filme romântico, com os dois andando entre mendigos, pedintes, bêbados, passantes, estudantes e toda a sorte de gente que vaga pelas ruas nas madrugadas. Tudo alheio a eles. Nada importava, nada lhes chamava a atenção, nada os amedrontava, nada os prendia. Só eles dois existiam naquele momento.

E eis que, como diria o poeta, não mais que de repente, Julia parou e, com um movimento brusco, tirou o braço de Pedro que lhe envolvia o pescoço. Pedro já abaixou a cabeça, arrependido, pensando que havia dito algo que a tivesse magoado. Neste momento, ela o puxa pela mão e o beija. Assim, só beija. E eles se beijam assim. Sem medo, sem cobrança, sem ter que esconder, sem preocupação. Só um beijo. Fora o primeiro beijo só deles, sem namorados, namoradas, casos, ninguém. Depois de onze anos, três mil, setecentas e oitenta e duas horas juntos, setecentos e doze beijos e sete namorados – ou namoradas – pra cada lado, eles finalmente deram o primeiro beijo deste novo recomeço. Mesmo sabendo que todo recomeço é novo e que isso é pleonasmo. Fica muito mais bonito. E pra vocês não ficarem curiosos – ou ficarem ainda mais curiosos – nos próximos capítulos eles vão contar como tudo começou, até chegar aqui. Eu acho que eu faria melhor o trabalho de narrador, mas eles quiseram contar por eles mesmos, fazer o que…

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