Mulheres são vítimas do próprio machismo, diz pesquisa

“Uma pesquisa entrevista 3.810 pessoas. Dessas, 66,5% são mulheres. Isso dá 2.514 mulheres. Do total das 3.810, 65,1% acham que ‘mulheres que usam roupas que mostram o corpo merecem ser atacadas.” 

Mesmo se todos os homens tiverem dado esta resposta, eles somariam somente 34,5% do total. Logo, no mínimo, trabalhando com a hipótese de 100% dos homens terem respondido o mesmo, no mínimo, 1.296 mulheres responderam que ‘MULHERES QUE USAM ROUPAS QUE MOSTRAM O CORPO MERECEM SER ATACADAS’.”

Esse cálculo simples (cedido pelo generoso Léo Luz, já que essa que vos fala evita a mais fácil matemática), é muito mais do que uma mera constatação. É alarmante ao passo em que confirma a infeliz realidade que eu, sinceramente, preferia não ter de encarar: O machismo é, muitas vezes, criação da própria mulher.

Não que o machismo genuíno – aquele praticado pelos homens contra as mulheres – tenha deixado de existir. Longe disso. A violência doméstica – que cresce assustadoramente todos os anos – é grande prova de que as mulheres ainda são inacreditavelmente oprimidas e violentadas.

Mas como se não bastasse, somos o gênero mais desunido. (66,5% das mulheres entrevistadas acham que mulheres merecem ser estupradas; 61% das brasileiras acha que a criação dos filhos é responsabilidade exclusiva da mulher. Prova disto são as arcaicas revistas femininas que, em sua maioria, ensinam como enlouquecer um homem na cama e como perder 10 kg em uma semana, e ainda vendem feito água no deserto. Para a historiadora Mary Del Priori, “A mulher brasileira não consegue se ver fora da órbita do homem, diferentemente de algumas mulheres europeias, que são muito emancipadas. O que ela quer é continuar sendo uma presa desejada”.

Na verdade nós nem precisamos de todos estes dados para nos convencer. Porque vez ou outra vemos uma amiga direcionando um olhar maldoso – ou um xingamento, ou uma acusação descabida, ou um puxão de cabelo – a outra mulher, ou o noticiário esfrega na nossa cara: “Namorada ciumenta espanca rival”, “Funkeira cria hit de rivalidade entre mulheres”, EXTRA, EXTRA! A classe feminina é desunida!

É muito fácil estampar essa realidade na primeira página. E, sim, é uma realidade. Não estamos sendo acusadas injustamente. Somos, realmente, uma classe desunida. Oprimidas e opressoras ao mesmo tempo. Oprimimos quando repreendemos a roupa ou a conduta sexual de outra mulher, quando agimos como se toda criatura do sexo feminino em todo o universo conhecido nos invejasse, quando afirmamos que preferimos amigos homens porque são mais verdadeiros, e quando utilizamos de forma infeliz a palavra recalque (que é, aliás, o termo mais irritante do mundo aos meus ouvidos).

Por outro lado, é ingênuo de nossa parte acreditar que essa nossa tendência à desunião é um fato desarrazoado. Toda mulher nasce ínclita a odiar as outras mulheres – isso nos parece, no mínimo, improvável.

Historicamente, toda essa união encontra razões lógicas – e, veja bem, não justificáveis. Competimos umas com as outras desde que ter um marido era sinônimo de sucesso – e não ter um, consequentemente, de fracasso. Toda mulher precisava estar mais bonita, e ter a cintura mais fina, e a pele mais brilhante, e o cabelo mais sedoso que a outra, sob pena de ficar para tia – e ficar para tia era a pior desgraça que lhe podia acontecer.

Toda mulher precisava ser mais casta que a outra, e lhes era incumbido o doloroso dever de vigilância sobre a castidade da outra. Porque a mulher que não era casta ficava mal falada e, pior ainda, ficava para a tia –  e ficar para tia era a pior desgraça que lhe podia acontecer.

Toda mulher precisava ser discreta, e meiga, e bonita, e prendada, e delicada, e, principalmente, toda mulher tinha que ser melhor que as outras, se não poderia ficar para a tia. E ficar para a tia… bem, você sabe. Fomos, culturalmente, moldadas para a desunião.

Não havia rodas de amigas em botecos como se tem hoje. Não havia a mulher independente que paga as próprias contas e chama as amigas pra se divertir. Não havia a mulher que gosta de mulher – às vezes até mais que de homem, se é que me entende.

Portanto, se nenhuma destas razões persiste, esqueçamos o vício do cachimbo que deixa a boca torta. Esqueçamos a ideia de que precisamos ser melhores que as outras. E de que precisamos oprimir umas as outras. E de que precisamos competir umas com as outras. Nenhuma mulher tem um gene que a torna menos unida, ou menos verdadeira ou menos leal – portanto, esta não é uma realidade com a qual temos de nos conformar. Essa mudança só depende de nós. Comecemos já.

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