Na internet todo mundo é herói

O mundo está em constante evolução, revolução e, a cada novo dia, mais uma ferramenta de comunicação surge em algum cantinho do planeta. Estou falando das plataformas capazes de facilitar e permitir o diálogo entre indivíduos, dos meios que dão voz às bocas sedentas por megafones e, também, dos palcos digitais que evidenciam ainda mais a existência de inúmeras pessoas cujo discurso definitivamente não condiz em nada com as atitudes que elas próprias realizam. Basta uma entradinha no Facebook e ali verá um bando de seres postando e promovendo condutas claramente antagônicas aos passos dados diariamente por eles mesmos. Enxergará pessoas defendendo causas com grandes unhas virtuais e afiados dentes “pixealizados”, mas logo perceberá que no universo real, esses mesmos guerreiros do mundo virtual, muitas vezes não passam de animaizinhos passivos, mansos e, pior, de gente que, sem perceber, não segue nem os princípios básicos da causa que finge defender.

O Facebook, assim como diversas outras redes sociais, funciona como um país no qual toda e qualquer pessoa pode mostrar a um grande universo de seguidores, quem elas são ou quem fingem ser. E isso, esse exibicionismo facilitado pelos meios digitais, não se resume apenas às fotos postadas ou aos “check-ins” feitos. Essa constante e sutil demonstração de nossas características pessoais, verdadeiras ou não, hoje também pode ser realizada através das bandeiras que decidimos hastear nesses tantos murais de rolagem infinita. Sim, o compartilhamento de conteúdos interessantes não ocorre somente pela necessidade que temos de dividi-los com os outros da espécie, muitas vezes, por trás da publicação de um texto, músicas, críticas e outras coisas do tipo, existe também uma vontade de falar o quanto somos também interessantes e, com isso, fazer um autoelogio público, discreto e dificilmente visto por outros como exemplo de egocentrismo. Hoje, podemos mostrar quem somos através daquilo que compartilhamos, já que as coisas divulgadas por nós no mundo virtual têm valor verdadeiro, sendo consideradas extensões das nossas personalidades e atitudes reais.

Sempre entendi que para ser algo era preciso fazer uma série de coisas reais e capazes de nos fazer merecer esse título, mas hoje, percebi que existe um caminho mais curto e mentiroso, usado por pessoas preguiçosas, medrosas, que querem ser percebidas como parte de alguma coisa, sem ao menos tirar os dedos do teclado ou sangrar algumas gotas por isso. Esse atalho contemporâneo é o discurso virtual. Uma máscara moderna, capaz de fazer com que o desengajado seja visto como engajado, o fraco como forte e o passivo como ativo, mas, como todas as outras fantasias, essa armadura vazia e desprovida de recheio verdadeiro está condenada ao desabamento e o corpo que veste essa mentira, cedo ou tarde, ficará desconfortavelmente nu diante da multidão.

Eu, como todo ser humano que conheço, sou mestre em errar e assim já fiz muito, induzido por modismos, pela necessidade de ser bem visto ou pela ânsia de encontrar um lugar nobre na sociedade, também já levantei placas ilusórias e, através delas, quis ser visto como parte de algo pelo qual nenhuma energia havia despendido. Já critiquei sem o direito de criticar, pois em certos momentos, na calada da noite, também fazia parte atuante do grupo criticado, mas com o tempo, percebi o quanto essas máscaras pesam na consciência, o tanto que isso é vergonhoso e, aos poucos, fui recolhendo as bandeiras que não podiam fazer jus da minha verdade. Guardei-as em uma gaveta e só vou tirá-las de lá se, um dia, meus atos permitirem que eu as porte sem medo de me olhar no espelho e lá ver um falso moralista. Só vou levantá-las novamente quando eu perder o medo de, em meu reflexo, enxergar um profeta de cera protegido pela falsa proximidade do mundo digital. Perdi muitos quilos na consciência, quando comecei a equalizar minha fala com meus atos.

Já crucifiquei o bêbado que um dia atropelou uma família de pedestres inocentes, mas percebi que não tinha esse direito e que mesmo não tendo feito parte daquele ou de outros assassinatos do tipo, tinha as mãos também sujas de sangue, então me calei e percebi que só poderia voltar a apontar o dedo para outros inconsequentes como esse, no dia que eu deixasse de ser um deles. Foi isso que fiz: retomei meu direito de atirar pedras naqueles que bebem, dirigem e colocam em risco a vida de pessoas inocentes e isso só foi possível, pois encontrei uma forma de manter o discurso alinhado aos meus atos. Hoje, continuo bebendo, mas vou para casa de táxi, metrô, a pé, dando cambalhota, ou de qualquer outra forma não letal, assim não evito a ressaca, mas também não corro o risco de ser um grande hipócrita no dia seguinte.

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