O homem que não sabia ficar doente

Preciso dizer que não sei ficar doente. Como também não sei lavar colheres sem molhar minha roupa inteira. Muito menos acertar o vaso inteiramente. Tudo bem que quando quero acerto coisas bem menores, mas beleza, não entremos em detalhes.

Admito que, aparentemente, tenho jeito de machão. Não tomo remédios e não vou ao médico nem que me arrastem. Pois, se for para morrer, que eu morra com honra, dignidade e virilidade. Mas, assim baixinho, preciso confessar que quando fico doente pareço uma criança. Mas daquelas que se contorcem e cantam um hino de palavrões quando batem o dedinho do pé numa mesa de canto que, convenhamos, nem deveria existir.

Sempre fui manhoso. Coitadas das minhas namoradas. Lembro-me como se fosse ontem, eu ficava de cama por um resfriado e, como quem nada quer, elas chegavam na minha casa para me fazer um boquete daqueles. Brincadeira, para trazer uma nhá benta e fazer um cafuné. E quando eu as ouvia chegando, corria para apagar a luz do meu quarto e me escondia feito um camundongo por baixo das cobertas. Eu queria mimo, claro. Mas não admitiria isso nem sob torturas medievais.

E aí, qualquer movimento brusco de entrada no meu quarto, eu já fingia estar morrendo. Falava minhas últimas palavras como se não houvesse amanhã e, quem sabe, às vezes, até pedia um pedaço de papel para ensaiar como ficaria meu epitáfio. Sempre quis uma morte que fizesse jus a vida intensa que vivi. Mas claro, sem usar a palavra intensa. Fujamos do clichê. Espero que a frase que eu fale antes de morrer deixe um ar de mistério, como se eu tivesse comigo o segredo da paz mundial.

Mas, voltando ao boquete, era de praxe, eu começava doente, deitava juntinho e logo mais uma mão puxava a outra, direcionando suavemente para o campo de batalha. Até que daqui a pouco ela percebia minhas segundas intenções que, na verdade eram as primeiras, e me olhava com aquele olhar de espanto-sacana dizendo: “Mas você não estava doente?” e eu, prontamente respondia: “Eu sim, ele não”. E ela ria. Por pouco tempo. Pois, como dizia Nietzsche: “Somente o sexo pode curar a doença que é a vida”. Mentira, eu disse. Mas enfim, Friedrich, Frederico, não muda lá muita coisa. Tudo nome de animal de estimação.

Então, para contemplar minha dramaticidade, vou contar uma breve história para vocês.

Esses dias eu estava dormindo e sonhei. Coisa que, na maioria das vezes, acontece comigo acordado. E nesse sonho eu tinha tomado uma facada no estomago – nem me lembro o porquê. Então, quando alguém me ajuntou do relento da rua e me colocou num carro qualquer para me levar a um hospital, eu disse: “Diga ao meu filho que eu o amo”. Naquele momento eu só queria que a história ficasse dramática e criasse um laço de bravura e compaixão. Eu morri – e pasmem, sem perguntar se havia pão no céu. Mas a verdade, é que eu não tinha um filho. Aí fiquei o resto do sonho inteiro vendo minha família em busca do meu filho perdido. Eu queria avisar, mas só conseguir fazer algumas vozes e derrubar alguns livros da estante.

PS: Ah, se um dia você for a minha namorada, eu apagar a luz e ficar surrupiando olhares por baixo da coberta, finja que acredita, ok? É importante para minha metade mimada que, volta e meia, precisa tanto de um momento de infantilidade.

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