O que há por trás do discurso machista da Anitta

Tudo bem, sou suspeita. Sou fã de Pitty desde quando nem me lembro. Acontece que me recuso a enxergar o embate entre ela e a funkeira Anitta, no programa Altas Horas do último sábado, como uma discussão pessoal em que precisemos escolher um lado. É muito mais que isso.

Não devemos observar os discursos de ambas como opiniões memoráveis a serem repetidas ou rechaçadas, como mais uma maneira perigosa de dividirmos as mulheres em grupos, lados opostos, esteriótipos da mulher assim, mulher assado. Não. São mulheres, ambas dignas de respeito e uma análise cuidadosa de seus respectivos discursos.

Não, eu não gosto de Anitta. Não como artista, apenas como mulher e, consequentemente, minha companheira de luta, como qualquer outra. E eu acho que é exatamente assim que Pitty a enxerga também. Para quem não leu ou não se recorda, ela escreveu um texto sobre a liberdade sexual da Anitta há alguns meses atrás, onde, basicamente, defendia o direito da moça de vestir-se e comportar-se como quisesse.

Curiosamente – porque como esse mundo é curioso! – a própria Anitta contradiz toda a liberdade que outra mulher defendeu ao seu favor, em nome de um puritanismo que, convenhamos, ainda é aplaudido de pé na sociedade em que vivemos.

O moralismo barato de Anitta não nasceu com ela. Foi construído por cada pessoa (homem ou mulher) que a considerava menos digna pelo tamanho das suas roupas, pelo modo como dançava com seus fãs, pela liberdade sexual que a sua figura transmitia.

Eu também detesto puritanismo barato, discurso vazio e falso moralismo. Mas o discurso de Anitta não me parece exatamente desonesto porque lhe é conveniente mascarar sua liberdade, porque o mundo nos ensina – desde sempre – a mascarar nossa liberdade. A nos moldar àquilo que esperam de nós.

Ninguém nunca nos ensinou a lutar. Sempre fomos aquelas que esperavam paciente os seus homens voltarem da guerra. Para lutar contra a hipocrisia nos dias de hoje é preciso peito. Pulso forte, convicção e muita coragem. E, lamentavelmente, o mundo não nos ensina a ter coragem.

Mulheres, mesmo as que parecem algozes, são vítimas do preconceito que lhes foi ensinado. Cada mulher que é conivente com a própria opressão e com a opressão das outras mulheres foi cruelmente condicionada a isto.

Por isso mesmo, vejo a repulsa ao discurso de Anitta – que, à primeira vista, parece fruto do mais genuíno feminismo – uma armadilha da qual precisamos fugir: a de condenar nossas companheiras por ainda não terem se livrado do fardo machista que carregaram involuntariamente por toda uma vida. Por ainda não terem tirado a venda que algumas de nós já pudemos tirar.

A luta é de todos nós. Minha, sua, de Pitty, de Anitta. O que eu espero de mim mesma é uma postura de apoio a cada mulher, que ainda não sabe se defender da crueldade de um mundo que só nos violenta.

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