Priorizar as relações é um privilégio. Orgulhe-se disso!

Vocês já leram Admirável Mundo Novo? Se não leram, eu sugiro que leiam algum dia na vida. Sei que às vezes fica difícil parar para ler em meio à correria do dia-a-dia, mas quem já leu o livro sabe que é justamente por isso que de vez em quando é importante apertar o “pause” no mundo para ler, sentir, refletir e viver.

O que eu posso dizer sem dar spoiler é que Admirável Mundo Novo é um livro de 1932 escrito por Aldous Huxley que critica diversos temas que surpreendentemente ou não são cada vez mais atuais. É claro que minha intenção é falar da vida e não fazer uma sinopse do livro, mas o que eu preciso adiantar é que Admirável Mundo Novo descreve uma sociedade do futuro. Uma sociedade distópica.

Distopia, vocês sabem, é o contrário da utopia. É uma “utopia negativa”. E daí vocês já devem imaginar que a sociedade descrita no livro é tão assustadoramente doente que hora ou outra dá agonia até de ler e imaginar.

A sociedade de Admirável Mundo Novo é doente em dezenas de aspectos – eu passaria horas escrevendo sobre eles -, mas o que eu quero falar, só pra variar, é sobre felicidade.

Em Admirável Mundo Novo todo mundo é feliz. Todo o mundo é feliz o tempo inteiro. As pessoas nascem programadas para isso; tipo robô mesmo. Felicidade artificial. Elas não adoecem, não têm medo da morte, não têm vínculos afetivos com ninguém, só se relacionam sexualmente por entretenimento e nunca sofrem. No livro as pessoas não se envolvem com as outras a ponto de experimentarem emoções violentas e eventualmente, caso qualquer sentimento ruim as aflija, elas tomam o SOMA, que é uma droga fornecida pelo Estado para afastar qualquer emoção negativa. O SOMA é a droga da felicidade.

Pode até parecer meio paradoxal que uma sociedade em que todo o mundo é feliz seja triste. Também pensei nisso num primeiro momento. Mas hora ou outra, lendo o livro ou apenas refletindo sobre isso, a gente percebe que felicidade desprovida de sentimento é muito mais anestesia do que alegria genuína.

Estou dizendo isso porque esse fim de semana, bebendo gin e desabafando com uma amiga sobre a relação com um cara que já não está me fazendo bem, eu disse, sempre meio tolinha, que gostaria que existisse um remédio para esquecê-lo. Eu disse que se esse remédio existisse, eu tomaria. Minha amiga riu, me reprimiu, disse para eu parar de ser boba e falou um sábio “fica quieta, você não precisa disso para esquecer.”

Fiquei pensando no que ela disse e logo concluí que eu realmente não preciso de um SOMA. Pensei no livro, no mundo, em tudo o que eu já escrevi e vivi e percebi que ser sensível e capaz de desenvolver sentimentos genuínos pelas pessoas é realmente um privilégio.  

Digo isso porque vira e mexe o mundo nos ensina a deixar as relações e emoções em segundo plano porque é mais importante ganhar dinheiro, terminar o doutorado e beijar cento e duas bocas no carnaval de Salvador. Vira e mexe o mundo nos ensina a nos anestesiar da tristeza, desviar da decepção e seguir por aí pegando geral e fazendo o pagamento mínimo do cartão. Quase tudo é mais importante que as pessoas. Quase tudo é mais importante que a emoção.

Saber priorizar as emoções e relações é um privilégio e é muito importante entender que tristeza e decepção fazem parte do processo. Esquecer as pessoas não é instantâneo. É sempre dolorido; sofrido, mas é um baita aprendizado. É justamente experimentando o sofrimento que a gente se torna mais humano e aprende o que de fato nos traz felicidade. É vivendo e degustando cada uma dessas emoções que a gente entende que a alegria é muito valiosa. Se faz mal, provavelmente está errado.

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