Reticências

– O que é isso, Francisca? – Indagou Evandro revoltadíssimo, com o telefone celular de Francisca nas mãos.

– Como assim o que é isso? Meu celular.

– Não se faz de boba, Francisca! Tô falando dessa mensagem aqui! – Evandro mostra uma mensagem no celular dela.

– É uma mensagem do Sílvio, do meu trabalho. Que que tem?

– Que que tem? Que que tem?? Lê direito! – Evandro mostra a mensagem, onde se lê “Preciso falar com você…”.

– Ele tá falando que precisa falar comigo. Não entendi.

– Não, Francisca, não. Ele não fala que quer falar com você. Ele fala que quer falar com você…

– O que? Não entendi nada!

– A mensagem terminada com reticências, Francisca! RETICÊNCIAS!

– Ham?

– “Ham” o que, sua cara de pau? Ele termina a frase com reticências!

– E daí?

– Como “e daí?”. E daí que terminar uma frase dessas com reticências quer dizer alguma coisa comprometedora!

– Olha, Evandro, eu acho que você anda trabalhando demais. Dessa vez você exagerou.

– Exagerei? Exagerei?

– Claro! O Sílvio trabalha comigo o dia inteiro, qual o problema dele querer falar comigo?

– Nenhum, desde que ele não tenha nada pra falar com reticências!

– Desisto, Evandro. Não dá pra discutir com você.

– Ah, é? Vou dar um exemplo. Suponhamos que ele fosse te falar que você esqueceu os óculos no trabalho. Ele mandaria a mensagem “Preciso falar com você”, com PONTO FINAL. Você perguntaria o que é e ele responderia, sem enrolar, sem engasgos. Agora, com reticências é pra fuder. Com reticências parece que ele mandou a mensagem “preciso falar com você”, com reticências, e quando você fosse perguntar o que é ele ia dizer: “Sabe o que é? Eu te amo! Eu te amo e quero fugir com você! Dei um golpe na empresa, roubei duzentos mil dólares, comprei duas passagens e um apartamento em Veneza pra gente. Estou te esperando no aeroporto, nosso voo é às sete. E traz botas porque dizem que a água lá tá subindo”. Entendeu, Francisca? Reticências transmite uma ideia de querer dizer algo e não saber como, de falta de jeito, de ter que fazer rodeios para falar alguma coisa, algo comprometedor.

– Evandro, você é maluco. Sério. Você acha MESMO que alguém pensa nisso antes de botar uma droga de um ponto, dois ou três depois das frases? Acha?

– Claro que acho, é inconsciente! Ele precisava te falar alguma coisa mas não sabia como, não sabia a sua reação. Então pegou o celular, escreveu a mensagem, hesitou, apagou, tomou coragem e mandou. COM RETICÊNCIAS!

– Ok, chega! Não vou mais dar corda pra sua maluquice. Chega disso.

– Então vamos fazer o seguinte: já que você diz que não tem nada, a Jandira tá precisando de gerente de marketing na loja dela e paga melhor do que seu escritório. Já que não tem nada, vai pra lá. É aqui mesmo em Niterói e você não vai precisar ir pra outra cidade todo dia pra trabalhar, e não vai mais ver seu amiguinho Sílvio. Ok?

– Ele não é “meu amiguinho”, Evandro.

– Tá, mas tá combinado então?

– Tá bom, Evandro, se você vai parar de encher meu saco.

– E não quero mais ver mensagens dele, com ou sem reticências. Agora ele não vai mais ter o que falar com você.

– Tá, tá. Agora vou tomar banho porque você tá me alugando desde que eu cheguei do trabalho.

Francisca sai da sala e entra no banheiro. Pega o celular e digita uma mensagem para Sílvio: “Precisamos conversar…”.

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