Se você aparecesse

Ás vezes eu me pergunto o que eu faria se você aparecesse na minha frente hoje, tanto tempo depois. Acho que isso pode acontecer porque eu rezei tanto pra te ver quando eu estava superproduzida, cheia de amigos e muito bem acompanhada, que é bem provável que o destino te coloque na minha frente quando eu sair de qualquer jeito na padaria da esquina com a camiseta do pijama e a cara amassada.

Eu quis tanto mostrar pra você o quanto estava bem enquanto chorava a sua ausência em cada canto de mim, que agora que organizei meus pensamentos e não quero mesmo mais te ver, não sei o que faria se você aparecesse.

Talvez eu olhasse bem no fundo dos seus olhos e conseguisse entender se o que nos separou foi medo, indiferença ou desamor. Quem sabe lá estivessem algumas das certezas que eu insista em negar ou alguns dos motivos de ter pulado com pedras nos bolsos no seu oceano, sem me importar que o mundo dizia que eu precisava de colete salva-vidas.

De repente, olhando no fundo dos seus olhos, eu percebesse porque as suas palavras eram tão profundas e os seus sentimentos tão rasos. Quem sabe até sentisse pena de quem apaixonou tantas companhias e, quem sabe, sinta a mais completa das solidões.

Se você aparecesse, impulsivamente eu poderia te abraçar. Esquecer tudo o que passou e optar por alguns instantes da nossa velha intensidade de volta. Sentir o cheiro do teu pescoço – você ainda tem cócegas infinitas nele? – e sentir o calor mais verdadeiro de tudo o que eu já senti.

Aproveitar a amizade apaixonada que me fez tão bem sem medir a altura do tombo – ou a profundidade do mergulho. Não viver aquele momento como quem acredita que pode não haver amanhã, mas como quem entrega tudo o que guarda no peito no último suspiro.

Eu poderia expressar toda a raiva que eu senti em pontapés e tapas. Eu poderia te machucar de verdade, porque eu não sou forte, mas a dor que eu senti é e eu sei que ao menor deslize ela toma conta de mim de novo.

Quem sabe eu não caísse no choro? Afinal de contas, te ver seria ressuscitar um pedaço de mim que eu matei. Talvez eu chorasse de um luto vivo e pulsante demais para ser chamado de luto, talvez eu chorasse de alegria por saber que não passou de um sonho besta ou, quem sabe, eu chorasse por descrença, desespero, fraqueza.

Se você aparecesse quem sabe eu clamaria por um conversa de verdade, por um pouco de maturidade na tua capacidade infantil de sumir e pela minha capacidade ainda mais infantil de sofrer. Talvez eu sentasse na tua frente e desmontasse cada um dos teus argumentos como naquela noite. Talvez eu esquecesse todos os argumentos e conseguisse expressar só um pouco de tudo o que me engasga e me sufoca, mas que eu só conseguiria explicar pra você.

Quer saber? Se você aparecesse, provavelmente eu viraria as costas e seguiria em outra direção. O mundo ficaria em stop motion para que cada passo na direção contrária a sua tivesse a duração de um filme do que não vivemos em sessão exclusiva pra mim.

O caminho da minha felicidade longe de você pode ser mais longo, mais cheio de curvas e talvez eu siga a vida inteira buscando o pote de ouro no final do arco-íris. Mas, se você quer mesmo saber, eu acho que a minha maior mudança em todos estes anos foi conseguir te enxergar exatamente do jeito que você é. E aí, quando eu te vi de verdade, eu percebi que prefiro ser metade.

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