Só eu me sinto um ET por aqui?

Quero tatuar um disco voador. Preciso tatuar um disco voador. Vou tatuar um disco voador. E não afirmo isso porque curto Arquivo X ou por acreditar na existência de vida fora da Terra. Nada disso! Afirmo porque sempre me sinto um alienígena no rolê, um ornitorrinco colocado por engano no ninho dos gansos, uma coxinha de Catupiry entre quinoas, goji berries e linhaças, em uma gôndola do Mundo Verde (aquela loja fibrosa que diminui seu risco de infarto e aumenta sua vontade de fazer cocô, tá ligado?).

Você também se sente assim? Às vezes, apenas? Eu me sinto alienígena toda hora, principalmente em festas de família nas quais alianças recém-colocadas no dedo rendem “parabéns” eufóricos – como aquele que direi àquele que inventar a bateria de celular eterna – e barbas revoltas como a minha causam olhares de espanto e piadinhas irritantes, do tipo: “Quer uma Gillette (até pensei escrever ‘lâmina de barbear’, mas soaria fake) emprestada?” Ou: “Desse jeito não vão deixar você entrar nos EUA, tá parecendo terrorista!”. Ou ainda… Enfim, você já captou.

E quando as pessoas começam a conversar de preparativos para casamento e filhos, então? Sinto-me como o Keith Richards numa palestra antitabagista, manja? Enquanto o povo fala de vestidos brancos e adaptações que precisam ser feitas na casa para o “cabeça de joelho” não se foder, eu só desejo que o tempo acelere, tento levar o papo para outros rumos e torço, com toda força interior que tenho, para não me fazerem a clássica sequência de perguntas: “E você, não pensa em fazer festa de casamento para oficializar a relação? Não quer ter filhos? Mas não adianta, sempre fazem. Sempre! E eu não consigo disfarçar o quão bizarro eu considero o apego cego a tradições e essa ideia de que ter filhos é um passo essencial a qualquer ser humano. Deveria parar no “Não quero ter filhos ou me casar nos moldes tradicionais”, eu sei, porém, eu vou além, não consigo me controlar, sempre perco a chance de ficar calado; dou voz ao capetinha provocador que existe em mim e lanço: “Casamento? Cê tá louco? Gastar as minhas preciosas economias em comida e bebida para um bando de ingratos que sairá da festa dizendo que só tinha rondelli, decoração cafona e vinho barato? Ter que vender um rim para bancar um evento que, se pensar bem, facilita a vida dos que se embriagam para se esquecerem – por algumas horas, ao menos – da vida de merda que levam, da casa para o trabalho, do trabalho para a casa? Prefiro investir em uma viagem. E em máquina de crepe. E em um daqueles skates motorizados. E em mobílias mirabolantes para gatos. E em temakis. E em qualquer outra caralha (até mesmo aquelas que vibram e ajudam a dar mais prazer à parceira) que não tenha relação com véu, grinalda e tiozões que se sentem os mais machões do universo porque após algumas doses de uísque conseguem coragem para imitar gays (o estereótipo, digo) ao som de I Will Survive. Ah, você também perguntou se eu quero ter filhos, certo? Não! Não tenho a mínima vontade de fazer bonecos, pois neste mundo doido e cheio de ódio, cuidar de mim já me parece desafio suficiente. Sem contar a quantidade de fraldas que eles borram por dia, aquelas máquinas de morder mamilos e arrotar colostro!”. Deveria ficar calado, ser mais político (como a maioria é), dizer que ainda estou pensando a respeito, fugir pela tangente, tomar qualquer atitude que não faça com que os ouvintes fiquem com cara de “Que menino estranho, deve ‘fumar dorgas’ e ouvir muita musica do capeta”.

Sou tão ET, mas tão ET que, em vez de disfarçar meus desejos marcianos – e só contá-los aos meus semelhantes que acham o BBB a “hamsterização” humana mais bizarra -, faço questão de confessá-los em meio a terráqueos do tipo mais comum, aquele vai ao shopping quando se sente vazio, para tentar tapar buracos da alma com roupas caras – porque têm jacarés bordados e são moda nesta estação – que cobrem a pele, não mais do que isso.

Outra coisa que faz com que eu me sinta um Motorista de Uber num encontro de taxistas? O mundo corporativo tradiça, aquele em que há batedores de ponto e trajes obrigatórios nada condizentes com nosso clima tropical. Hoje, felizmente, consegui fugir desse universo, no entanto, já o frequentei muito, de gravata e tudo; e em eventos cheios de tapinhas nas costas frios, eu tinha extrema dificuldade para sorrir e apertar a mão de pessoas que fingiam ser minhas amigas apenas quando queriam fechar negócios. Sentia vontade de dizer: “Ei, seus malucos, vocês estão agindo como se nada na vida importasse mais do que o trabalho, e estão me assustando”. Mas eu ficava quieto, com medo de perder o emprego, até que meu medo de perder a vida se tornou maior e… Vocês já sabem o resto da história.

O lance é: em meio a uma multidão que sonha com metas inatingíveis e que não hesitaria em assassinar por uma promoção, eu me sinto um esquisitão; porque desejo, acima de tudo, saúde suficiente para comer temakis, bolos e coxinhas com meus amigos; oportunidade e dinheiro – porque passagens e hospedagens exigem isso – para desbravar inúmeros cantinhos do mundo e sabedoria o bastante para não deixar que sonhos coletivos pesem mais do que aqueles que carrego aqui e que, vez ou outra, suspeito que foram implantados em mim em alguma abdução. Pois, ao meu redor, o que mais tenho visto é padrão, em excesso; abdomens trincados que me parecem perda de tempo e oportunidades de chope com os parceiros; formas de se vestir que custam o dobro das minhas por causa de etiquetas e galãs em comerciais; bens que eu não compraria nem se ganhasse na loteria, por considerá-los atestados de loucura.

Acho que estou fora de moda, sério. Ou será que a Terra anda cheia de tendências estranhas demais para o meu gosto? Complexo. Muitos pensam que sou descendente japonês (mas não sou, acredite se quiser). O que sou, então? Já não sei mais. Só sei que, como o Renato Russo um dia achou, “tenho quase certeza de que não sou daqui”.

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