Telhado de vidro

Estou dentro de um elevador, no vigésimo sétimo andar de um edifício no centro da cidade. O elevador está praticamente cheio. A porta se abre no vigésimo quarto. Entra um casal eufórico, se agarrando e se beijando como se o mundo fosse acabar quando o elevador chegasse lá embaixo. Eles se agarravam tanto, que até agora eu tenho quase certeza de que a bunda que a mulher passou a mão umas duas vezes era a minha, e não dele. Porém, dizia eu, eis que o telefone da moça toca. Ela olha com cara de preocupada, faz sinal para que o rapaz faça silêncio e atende com uma voa maviosa:

– “Oooiii, amor…”

As pessoas se entreolham, sem entender nada, ou melhor, entendendo tudo.

– “EEuu? Eu to na casa da Paula. Como “que Paula”, amor? A Paula da faculdade. Vou, vou dormir por aqui, mas amanhã cedinho eu vou pra sua casa, tá?! To morrendo de saudade.”

A essa altura, o rapaz já não sabia onde enfiar a cara. Ou melhor, pelo tom da conversa, ele sabia muito bem, mas o elevador estava cheio. Ficou um clima de constrangimento danado. Eles até pararam de se agarrar. De repente, outro telefone toca. Salvos pelo gongo. É o telefone de um rapaz de terno, atrás de mim. Ele olha quem é, ajeita a gravata como quem diz “olhem e aprendam”, e lasca:

– “Oi, linda. Claro, tudo ótimo.” (as pessoas se entreolham aliviadas. Até que enfim uma pessoa normal…)

– “To indo pra casa. Claro, claro. O que? Como não? Sei, sei.” – Ele baixa os olhos e fala baixinho, tentando esconder o que diz, e continua: – “Vai dormir na casa da Rita, do curso de inglês? Tá. Também te amo. Não é nada não. Tá tudo bem sim. Beijos.”

Ele desliga o telefone, afrouxa a gravata, passa a mão nos cabelos e dá um longo e ruidoso suspiro, como um condenado que caminha para a cadeira elétrica. O casal se olhou, prendendo o riso. Risinhos presos tomaram conta de todo mundo no elevador. O único que não ria era eu. Eu estava ocupado anotando tudo aquilo pra escrever depois. Se bem que eu quase esperei todo mundo sair pra pedir a ele pra repetir o diálogo, que eu não tinha anotado direito. Quase.

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