Tentar exige esperança

O telefone toca duas vezes, mas ela desliga. A coragem vai embora antes que a pessoa do outro lado atenda. Melhor não, pensa. Disca outro número e chama uma amiga.

“Pô, Fê, de novo isso?”
“Sempre. É meu karma.”
“Não, é tua burrice ainda sentir alguma coisa por esse idiota!”

E em cinco minutos a amiga está lá. Vizinha de prédio, chega e traz um pote de sorvete junto. Tô de dieta, Fernanda diz. Foda-se, come… retruca Marina. Bota um açúcar nesse sangue aí e vamos conversar sobre qualquer outra
coisa, menos homem.

Inevitável. Em pouco tempo já estão falando de todos os trastes que passaram, repetindo os casos já gastos e enumerando os defeitos que todo homem tem; inclusive os que se dizem “certinhos”.

“Esses são os mais filhos-da-puta!”, confirma uma delas.

E quando o pote já está quase na metade, a campainha toca. Fernanda levanta-se despreocupada e atende. Vai embora!, Marina ouve a amiga falar da porta. Tarde demais. Leonardo entra como um furacão pelo apartamento e começa:

“Olha, é bom mesmo que sua melhor amiga esteja aqui pra eu poder falar tudo de uma vez e ter alguém de testemunha. Eu te amo, porra. Te amo e fui um idiota. Sei que vocês tem motivos suficientes pra nunca mais quererem me ver. Você pelo mal que eu te fiz e pelas expectativas que eu criei e suas amigas por terem te visto na merda depois que eu fui embora”.

“Até aqui nenhuma novidade, Léo…”, provoca Marina.

“Tá, eu sei. É que (sentando-se no sofá) eu andei pensando muito (olhando pro vazio) e descobri um monte de coisas nesses dias longe de você (agora olhando pra Fernanda) e a sua ligação hoje me fez tomar coragem.”

“Caralho, Fernanda, não acredito que você ligou e não colocou ‘número desconhecido’, sua porta”

“Eu esqueci”

Léo prossegue…

“Eu sinto sua falta, Fê!”

“Sente minha falta como um todo ou só de ir pra cama comigo mesmo?”, Fernanda não alivia. Marina ri.

“De tudo, poxa. Das nossas conversas, das vezes que a gente ia pra balada junto, dos açaís que a gente dividia”

“Porque você é mão de vaca e não comprava um pra cada um, né!?”, metralhou a amiga.

“Não, Marina, porque a gente não aguentava tomar uma tigela inteira e dividia. Né, Fê? Você sempre ria e gostava disso.”

“Meu Deus, a discussão agora virou açaí. Olha, (ensaiou Marina, olhando pra amiga) você sabe o que eu penso disso tudo e de como que eu acho que esse teatro (apontando o dedo para Leonardo) pode acabar dando apenas em mais merda, né? Mas eu acho que só você pode decidir. Eu vou pra minha casa e depois você me liga. Vocês são grandes, maiores e vacinados. Entendam-se.”

E sai.

O sorvete, então, derreteu. Engoliu uma das colheres, que escorregou pote à dentro e lá ficou. A televisão acabou ficando ligada, com o volume baixinho de antes quando não atrapalhava a conversa das amigas. Marina dormiu sem ser incomodada. Os vizinhos tiveram de suportar o ranger da cama, os gemidos do quarto e, pelo menos naquela noite, uma reconciliação.

Podia dar em nada? Sempre pode. Apostar nas palavras de alguém é sempre um tiro no escuro. Coloca-se em cheque a possibilidade da paz, mas a trégua temporária com a saudade parece sempre valer o risco. Tentar, por mais perigoso que às vezes possa parecer, ainda exige uma ponta de esperança comum aos que conhecem a força do que carregam no peito. E Fernanda sabia o que era aquilo.

Sabia e torcia para que, daquela vez, Léo soubesse cuidar do que tinha nas mãos.

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