Um texto para pessoas que dizem: “Você é o amor da minha vida”

por Frederico Mattos

Essa é uma das frases mais subjetivas e pouco precisas que já ouvi de alguém falando para outra.
  
Explico.

Ela é uma afirmação feita sob um estado emocional não muito confiável e estável, parece a decisão de fazer uma tatuagem com o nome da pessoa amada. No momento em que se faz esse tipo de constatação a pessoa quer fazer uma anunciação para o outro e para si mesmo declarando a importância dela em sua vida. O problema é que ela não conta com a passagem do tempo, o amadurecimento da personalidade, as mudanças de perspectivas pessoais e a própria vontade do outro que não é controlável.Muitas pessoas acreditam que é possível realmente ter um amor para a vida, mesmo quando esse amor é baseado num relacionamento de idas e vindas ou sequer tenha se consumado. Mas isso é “amor” de mão única, logo é platônico, delirante e imaginário. O amor de verdade é uma ação que se faz a quatro mãos em que as duas partes florescem como pessoa.

Lembro de uma mulher que atendi com seus cinquenta anos que dizia estar casada com um homem há quase trinta anos, mas que o amor da sua vida mesmo era um jovem com o qual se relacionou na adolescência. Contestei sua afirmação com delicadeza, afinal era uma crença muito arraigada e na qual ela se agarrava para suportar uma vida que ela própria afirmava ser medíocre, triste e nostálgica.

Depois de tantas conversas ela começou a pensar que o seu companheiro de uma vida estava ali do lado dela aquele tempo todo, com seus defeitos, estranhezas, manias e incompletudes, mas estava ali. Já o outro, o “amor da vida” tinha sido um relâmpago que mexeu com a vaidade dela e desapareceu tão rápido quanto tinha surgido. Ela entendeu que o peso que havia dado a ele era fruto de anos de imaginação em que ela havia se projetado em todos os lugares que esteve com ele e não com seu marido. Sua fantasia era tão realista que ela sentia saudade do seu amante imaginário quando não tinha tempo de imaginá-lo.

Finalmente ela entendeu que não é o sentimento e muito menos a intensidade que determina o amor, mas sim, as horas anônimas do dia a dia, lado a lado nas dificuldades e pequenas alegrias. Entendeu também que se agarra naquele amor potente e imaginário para dar motivação de viver uma realidade que ela não aceitava e da qual se sentia impotente para mudar, era seu consolo para as horas difíceis, como uma oração. Então pôde se despedir daquela criação mítica que alimentava o seu vazio e seguir em frente construindo algo de verdade, sem fantasias.

Com isso pensei que quanto mais enfática é a afirmação do “amor da vida” maior é o medo da pessoa lidar com os potenciais e até inevitáveis rumos imprevisíveis da vida. É como se ela se agarrasse numa âncora para ter certeza que nada vai mudar, que a felicidade está garantida para sempre e que não haverá nenhuma escolha ambígua pelo caminho.

Então vai um aviso aos navegantes de primeira viagem: a felicidade do amor é como uma massa de modelar que não se deixa endurecer, nunca está pronta e terminada, e precisa ser cultivada a cada dia com cuidado e esmero para fazer sentido.