“Vou festejar o teu sofrer, o teu penar…”

Ninguém precisa ser um folião profissional especialista em glitter com mestrado em purpurina para conhecer algumas músicas tradicionais de carnaval.

A verdade é que há letras que parecem já estar armazenadas na memória de qualquer brasileiro desde antes do nascimento. Pode reparar. Dificilmente você vai encontrar alguém que não saiba continuar o refrão quando você cantar aquele sonoro “Explode Coração” ou um tradicional “Allah-la-ô”. Há letras tradicionais de carnaval que simplesmente impregnam até na mente dos foliões mais esporádicos e “Vou festejar”, na voz imponente de Beth Carvalho, definitivamente é uma delas.

Eu estou em Paraty curtindo um dos carnavais mais tradicionais da minha vida, e ontem, durante um bloquinho que passava com crianças e velhinhos pelas ruas de pedra, eu percebi que “Vou festejar” é uma música que comove até o mais tímido dos foliões.

Em poucas palavras cheias de dor e ressentimento, a letra retrata um sentimento comum a todos aqueles foliões – entre os quais eu obviamente me incluo – que cantavam a plenos pulmões com as mãos no coração: o desejo de festejar o sofrimento de quem um dia lhes partiu o coração.

A letra diz sem muitos rodeios:

“Chora, não vou ligar
Chegou a hora
Vais me pagar
Pode chorar, pode chorar

Você pagou com traição
A quem sempre lhe deu a mão

Vou festejar, vou festejar
O teu sofrer, o teu penar…”

É triste. É feio. É egoísta e é vingativo. É infantil e não é saudável. Esse desejo de vingança pode soar como o pior dos sentimentos, mas é tão real e dolorido que virou música e comove pessoas em festa que cantam para o alto como se aquele que lhes pagou com traição estivesse chorando logo ali, no bloquinho que segue em frente.

A verdade é que há sentimentos que são ruins mas são inevitáveis.

Um dia eles passam e todo o mundo supera.

Um dia eles passam e todo o mundo perdoa.

Um dia eles passam e eu espero que virem música.

Um dia tudo vira carnaval.

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