A gente continua dando certo

Essa é uma carta de despedida. Uma carta clichê como todas as outras, como – você sabe – eu não poderia deixar de ser. Seria ótimo se eu soubesse me despedir de uma maneira menos dramática e mais original, mas não deu. E esta carta é uma prova de que eu tenho aprendido a perceber – e aceitar – quando já não dá.

Olha, na verdade esta não é uma carta tão clichê assim, porque eu não vou dizer que desejo que você seja feliz e saia por aí rodopiando entre as flores e que eu vou seguir também e tudo vai se arranjar. A gente conhece bem a vida real. Vai doer, pra mim e pra você. Vai doer a primeira noite de sábado, o primeiro filme, o primeiro aniversário de um amigo em comum – e os próximos, talvez. Eu vou sentir uma falta filha da puta da sua voz me dizendo pra parar de beber muito álcool e pouca água porque ter problemas nos rins é terrível – muito embora você nunca tenha passado mal dos rins. Mas eu adoro essa sua mania de acreditar mesmo no que você não viveu, sabia?

Talvez seja como uma espécie de parto. Graças à nossa mania de sermos o tudo um do outro, vai ser terrível. Não vamos sentir falta só das conchinhas e dos beijos, a amizade mútua vai deixar um buraco imenso em nós dois. Vai demorar pra a gente se acostumar a não ter mais a companhia um do outro pros filmes aos domingos – aliás, pra a gente se acostumar a não ter a companhia um do outro pra um monte de coisas, já que temos gostos tão parecidos e essa mania fofa de fazer as mesmas coisas.

Mas, você sabe, as vezes o amor não vence. Eu sempre disse que as pessoas superestimam o amor e, veja só, eu acabo de te provar. Porque ele não segurou a onda sozinho dessa vez. Você não me traiu, eu não me apaixonei por outros olhos e nem me cansei do seu abraço. Só passou nosso tempo, e de um jeito miseravelmente simples.

A  gente sabe que finais têm essa mania de serem doídos. Dói ser abandonado, dói ser traído, dói ser trocado. Mas uma das coisas que eu acho que sei sobre o amor é que dói infinitamente mais vê-lo passar desse jeito. E ter que assistir, imóvel, o amor fazer as malas e partir tranquilo. Dói quando arrancam o amor da gente, mas quando ele vai embora por vontade é covardia. Quando não tem ninguém pra a gente culpar, não tem motivos pra a gente apresentar para as famílias inconformadas, quando simplesmente passa. Quando a gente simplesmente para de se beijar, de se querer, de se apetecer.

E é por isso que eu estou indo embora, desse jeito corajoso e ao mesmo tempo tão covarde. Se me conheço bem, muito provavelmente eu vou me arrepender quando te vir com outra ou quando um amigo vier me contar que você recomeçou e anda sorrindo a toa. Mas eu já consegui me convencer: você já não pode mais me dar esses sorrisos que dará pra ela. Você já não pode ser pra mim esse cara leve que você provavelmente – e eu espero que sim – será para ela.

E agora, pra ser ainda mais clichê – tão clichê quanto escrever uma carta de despedida – eu vou te desejar felicidades. Mesmo. Vou te desejar tranquilidade pra seguir em frente quando souber que eu já não estou em casa e um pouco de sorte pra encontrar alguém que valha a pena. Vou te desejar – do fundo do meu coração – tudo que eu desejo pra mim: leveza, bons amigos e algum senso de humor para encarar esses finais que sempre vêm.

Não vou dizer adeus porque não dá pra desfazer um laço tão bonito quanto esse que a gente se fez. E mesmo que a gente não possa se ver por um tempo, você sempre fará parte de mim de um jeito especial e – como há algum tempo – fraternal. Eu vou te querer bem porque não dá pra jogar fora os nossos domingos, os nossos papos, os nossos porres… Tudo aquilo que sobra quando o amor vai embora, sabe? Por tudo isso a gente continua dando certo. Mesmo sem conchinha, sem mãos dadas, sem beijo na boca – o que nos sobrou ainda é muito.  Mas (desculpa), não é o suficiente. Obrigada pelo que vivemos até aqui. Eu te amo, adeus.

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