Ao meu Pai

No começo desta semana, meu pai (aquele que – apesar dos sessenta anos no RG – ainda ostenta uma conservada carcaça queimada de sol e que, se resolver estacionar o carro em vaga de idoso, certamente, receberá olhares feios) me contou que realizou alguns exames de rotina e que, infelizmente, descobriu um pouco de stress, ovo frito e tabaco dentro das artérias coronárias. Então eu pensei: “Acho que chegou a hora da inversão dos papéis e de começar a cuidar do taurino cabeça-dura que já trocou as minhas fraldas, que me motivou (através de mensagens subliminares esverdeadas) a torcer pelo Palmeiras e que não consegue disfarçar a felicidade que sente quando ouve alguém (de preferência algum dos três filhos) dizendo que ele é o melhor cozinheiro do mundo, melhor até do que o tatuado Alex Atala e do que o Buddy – o Cake Boss da moda!”. E é isso que eu farei, cuidarei muito bem dele. Mas antes de obrigá-lo a trocar os sanduíches de pernil pelas folhas de alface, de inscrevê-lo em um curso de meditação e de sugerir que tomemos, de maneira sincronizada, o remédio para combater o colesterol ruim, eu gostaria de deixar cravado aqui, neste texto, algumas palavras que eu sinto dificuldade de dizer enquanto estamos devorando alguns sashimis ou quando estamos em meio às nossas breves ligações telefônicas nas quais o “Alô!” logo dá lugar ao “Tchau!”:

Pai, pode ser que daqui a algum tempo, haja tempo pra gente ser mais, muito mais do que dois grandes amigos, pai e filho talvez… Brincadeira, pai! A frase anterior nada mais é do que um pedaço de uma música que o Fábio Jr. compôs para o pai dele, que acredite se quiser, chamava-se Antônio, e não Fábio. Doido, né? Mas como eu não sou o Fiuk – e muito menos a gostosuda da Cléo Pires! -, eu vou deixar o Fábio Jr. de lado e voltar a você, cidadão responsável pela minha existência e o homenageado do dia.

Pai, de coração, desejo que você saiba o quão privilegiado eu me sinto por ter saído do seu saco e não de dentro dos testículos de alguém como o Bin Laden, por exemplo. Sinto-me, a cada abraço que você me dá, um enorme sortudo por não ser um dos tantos filhos que têm um pai vivo, mas que nem imaginam como ele gosta de adoçar o café e se ele tem potencial suficiente para dormir no cinema e em meio ao som das explosões mais nucleares dos filmes de ação.

Sou extremamente grato por tudo o que fez por mim desde que fiz o checkout do útero materno até o dia de hoje. Quero que tenha ciência, também, de que guardo (no mais seguro cantinho de mim) as inúmeras lembranças esplendorosas dos momentos que vivemos juntos. Nunca me esquecerei, por exemplo, dos domingos de céu azul em que íamos para Campinas ouvindo futebol no rádio do carro e dos pães de queijo recheados que comíamos, religiosamente, em postos de gasolina da estrada. Recordo-me, perfeitamente, de quando você me levou para tirar sangue pela primeira vez. Você se lembra, né? Claro que sim! Como você poderia se esquecer da cabeçada que eu apliquei em seu nariz para tentar me desvencilhar do seu colo e dos dois enfermeiros que tentavam controlar o meu esperneio quase epilético? E aquela, como bem deve se recordar, já era a segunda vez em que tentavam retirar o meu sangue de criança, pois na primeira, minutos antes, graças ao meu desespero repentino e ao movimento que fiz e que, até hoje, só vi repetido por seres possuídos pelo Exú Caveira, eu já tinha levado – obviamente sem querer – uma agulhada bem no meio da testa. Não me esquecerei, também, dos voos intermináveis que fizemos juntos e das vezes em que babei, descaradamente, em seu ombro-travesseiro – parte de você que, infelizmente, ao menos para mim, perdeu tal função com o passar dos anos. E você se lembra daquela forte turbulência pela qual atravessamos e que, por cerca de um minuto, fez com que achássemos que bateríamos as botas? Mas não foi daquela vez. E, se depender do quanto eu gosto de passar o tempo ao seu lado, espero que as naturais turbulências da vida passem bem longe de nós e continuem a permitir que façamos juntos muitas novas lembranças.

Não sei você já percebeu, pai, mas somos extremamente parecidos em muitas coisas, até mesmos nos defeitos que espero não passar para os meus filhos (caso eu tenha algum) e no meu fino cabelo que, logo menos, estará como o seu, ou seja, quase não estará! E, apesar de termos feito faculdades diferentes, acabamos, ironicamente, desempenhando atividades profissionais parecidas. Não reparou nisso ainda? Você, como Ginecologista, vive a tentar descobrir como as mulheres são por dentro. Eu também, porém, ao invés de entrar pela perereca, como você faz em seu consultório, eu tento descobrir o que há dentro delas graças ao que elas dizem. E também pelo que calam. Viu, só?

Por fim, tenha a certeza mais do que absoluta de que eu, desde já e até o último dia em que estivermos juntos, perdoo os erros (todos eles) que você já cometeu e que, certamente, ainda cometerá. E espero que assim também faça com os meus deslizes.

Além do alto índice de colesterol e do gosto por cinema, eu herdei de você certa dificuldade para me abrir profundamente; agora, porém, já que estamos no Dia dos Pais e que cheguei até aqui, faço questão de escancarar o que guardo no meu interior e de afirmar aquilo que eu sempre soube, mas que nem sempre soube como dizer: amo você, seu velho teimoso.

Obs: mãe, você também ganhará um texto no Dia das Mães, tá bom? Ou melhor, no seu aniversário (que está mais próximo). Mas este é um texto para o Dia dos Pais e não quero perder o foco dizendo que você é a melhor pessoa que eu conheço, que você me ensinou grande parte das coisas que me orgulho de notar em meus reflexos e que o meu amor por você não é tão simples quanto pensa, pois nele cabe o que não cabe na dispensa. E nem na Rússia. E muito menos em uma penteadeira.

Obs2: pai, espero que este texto, por você, seja encarado como um presente de Dia dos Pais. Pois sabe como é, né? Tudo parece muito caro para quem resolveu viver de escrita.

Obs3: pai, agora que você já deve estar mais propício a absorver notícias traumáticas, eu gostaria de informá-lo que fiz uma nova tatuagem, na canela, mas não se preocupe, pois é apenas o título de uma música dos Stones (Time is on my side). E se o tempo estiver mesmo do meu lado – como eu creio que está – eu ainda elogiarei muitos macarrões seus, e você, com toda certeza, ainda reclamará das tatuagens que ainda farei.

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