E se o mundo fosse uma infinita cama?

Nesses dias cinzentos, tudo o que eu mais queria, meu bem, era que o mundo fosse uma cama gigantesca. Mas gigantesca mesmo, sabe? Pensa numa king size. Agora multiplica por mil. Depois pelo infinito. Seria um belo leito – grande e quente, pra ninguém botar defeito. Imagina que desfrute a gente rolando de um lado pro outro, do outro lado pra um, sem medo de cair?

Ou melhor, imagina a gente levantando da cama para fazer o primeiro xixi matinal e continuando na cama? E sem chance de ser aquele sonho sacana que a gente tem quando tá com preguiça de levantar, mentaliza que já tá sentado na privada e acaba soltando um pinguinho de xixi nas calças do pijama. Imagina, meu bem, a gente preparando aquelas duas canecas de leite quente com Nescau enroladinhos nas cobertas, sem nenhum dos dois precisar se sacrificar em benefício do outro e sair da cama em plenos dez graus Celsius em direção à cozinha?

E depois viria a hora de sair de casa. Sair de casa sem sair da cama. Sair de casa de pijama. Dirigir numa estrada tão macia que nem o ônibus que é ônibus sacoleja. Uma estrada Ortobom com Pillow Top. Que de tão fofinha dá vontade de deitar. Deitar na BR, pela primeira vez, significaria algo diferente de se matar.

E independentemente de pra onde a gente fosse, sempre teria cobertor. Fosse para saciar o nosso frio, fosse para cobrir a nossa nudez. E o poderio bélico de toda essa gente que vive se matando seria um estoque de travesseiro, que é pra todo mundo poder fazer guerra à vontade. Sem machucar, sem ceifar vidas, sem destruir cidades. Fazer guerra fazendo amor. Ah, seria o paraíso. Como sempre é quando a gente está na cama. Quando a gente guerreia com travesseiros e esconde nossos pecados mais íntimos debaixo dos lençóis. Ou quando a gente tem cinco minutinhos a mais pra se abraçar naquela conchinha derradeira. Pra ficar se entreolhando, como se fôssemos cúmplices de um crime que a gente sequer tem coragem de verbalizar. Pra ficar se sentindo, como se o mundo lá fora tivesse desabado e nós fôssemos os únicos sobreviventes de um apocalipse que chegou sem meteoro pra dar aviso prévio.

E pensando bem, talvez o mundo nem precisasse ser uma cama tão infinita assim pra ser como um sonho bom. Bastava ser uma cama. De casal, pra caber direitinho nossos corpos e anseios. Ou até mesmo de solteiro, por mais que a gente acordasse com torcicolo todos os dias. Bastava, na verdade, que a gente tivesse mais tempo pra ficar na nossa cama. Pra sonhar. Pra curtir o nosso ócio. Pra não pensar em nada além de nós dois e de todas as outras coisas e pessoas desse mundo que nos fazem bem. Sem se preocupar com o trânsito, que aumenta exponencialmente lá fora a cada “soneca” que a gente dá no despertador aqui dentro.

Sem se preocupar com que roupa vestir pra impressionar um bando de gente que não está minimamente preocupada com o nosso conforto. Sem se preocupar com ganhar dinheiro pra pagar as contas, porque a gente já descobriu que isso implique que a gente seja menos feliz. Sem que a gente, meu bem, acima de tudo, precise se sentir desabrigado nesse mundo cheio de ódio e ganância pra ter como pagar o nosso abrigo, a nossa comida, a nossa luz.

Porque não há Eletropaulo ou Light que resolva o problema quando a escuridão é interior.

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