Encontrando alguém que caiba nos nossos sonhos

por Léo Luz

Cazuza cantou, em Blues da piedade:

“Agora eu vou cantar para os miseráveis… / Pra quem não sabe amar / Fica esperando alguém que caiba no seu sonho”.

Muitas pessoas leem isso como uma crítica a quem fica procurando uma pessoa perfeita, ideal, que caiba, com o perdão da repetição, nos seus sonhos. Eu não. Eu não só não concordo como tenho certeza de que o próprio Cazuza também não concordava e estava tão somente alfinetando alguém conhecido que havia passado por tal situação. O amor nada mais é do que exatamente isso: encontrar alguém que caiba nos seus sonhos. Encontrar alguém que faça você se lembrar dos seus sonhos, que há muito tempo você havia escondido. A pessoa não precisa caber no seu sonho como um braço cabe em uma forma de gesso. É mais como um pé de meia ou uma luva: mesmo se não for do tamanho certo, dá pra encaixar e ser feliz.

Tentamos encontrar alguém que nos dê a medida exata de amor que queremos, de sexo que precisamos, ou de carinho que achamos que merecemos. Buscamos alguém que queira nos ver a mesma quantidade de horas por semana que nós iriamos querer ver este alguém. Tentamos encontrar alguém que se encaixe perfeitamente na nossa moldura humana que guardamos no porão do nosso coração. E, para muitas pessoas, qualquer coisa fora disso já é vista com desconfiança, ou menos digna do nosso amor.

Hoje, aos trinta e cinco anos, admito que meu grande erro foi tentar encaixar meus amores em fôrmas de gesso, não em meias. Detalhes mínimos que saíssem dos meus sonhos eram suficientes para rachar o gesso. E, de rachadura em rachadura, ele ia se quebrando até não dar mais para colar. Quisera eu ter percebido isso na época, ou há alguns anos. Mas só descobri isso há algumas semanas, e não adianta ficar me lamuriando. Penso que o ideal – e me desculpem o tom professoral, não pretendo aqui sobremaneira ditar o que se deve ou não fazer – penso que o ideal é tentar não moldar a pessoa, mas moldar a fôrma. O risco de tentar mudar alguém é que a mudança pode ser imprevisível, e a pessoa poderá passar a caber ainda menos na sua fôrma, e aí, como diz a minha avó, a emenda sai pior que o soneto.

É difícil? Bota difícil nisso. É muito mais fácil e cômodo culpar a outra pessoa por não caber na sua fôrma de gesso do que tentar fazer a sua fôrma se adequar a ela. Não é fácil, e eu estou sentindo isso na pele, não é nada fácil admitir que talvez aquela pessoa perfeita que você queria não existe e, pior, se ela existir, ela não ia querer nada com você, porque ela também estaria à procura de alguém como ela. É um processo longo e complicado perceber que talvez você estivesse errado, exagerando, ou esperando algo utópico ou impossível. Como bem disse o Verissimo, o homem maduro é aquele que abre mão da virtude impossível, para não perder a possível.

Eu já alarguei e estiquei a minha meia para que a pessoa caiba nela, e tenho certeza de que a meia dela também está sendo beeeem esticada para me abrigar. Mas ninguém poderá te condenar se você não quiser se adequar a algumas coisas. Há características odiosas que não temos porque nos submeter a elas. Tentar te levar a um show dos Los Hermanos ou torcer para o Flamengo, por exemplo, são coisas que devem ser tratadas com a máxima radicalidade. Máxima.

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