Eu só mordo a orelha de quem eu gosto

Eu não sei demonstrar sentimentos de forma convencional, lidem com essa bucha – coisa da minha mãe, ela sempre fala “bucha” como sinônimo de contratempos; bucha, bucha e bucha! Mas, voltando aos sentimentos, que por sua vez também são pequenas e diárias buchas, acontece que eles flutuam organicamente dentro de mim, mas pouco pegam impulso para sair pela minha boca. Eu nasci assim, coisa minha, coisa da minha família que abraça com tapinhas de “deu” nas costas e adora dizer que eu não sou como os outros; eles são tão meigos… feito um lindo e cintilante pedacinho de tijolo.

Você gosta de mim?! Ela me questionou esses dias. E, obviamente, como sempre faço, estufei o peito e respondi que não… e ainda completei: você dorme na minha casa três vezes por semana, a gente cozinha juntos na aventura de que, com certeza, se nada der certo teremos que comer pizza congelada; sempre sou o encarregado da árdua missão de comer todas as azeitonas sozinho. A gente ri da gente, dos outros, do mundo, da geladeira que não acendeu a luz quando abrimos na madrugada e, sem dúvidas, com certeza, é um espírito antepassado. A gente ri da maneira que você fala “xoxonês” quando está escovando os dentes, com a boca cheia de pasta de dente, e conversa comigo como se eu entendesse algo… e eu entendo. Eu te mando mensagens no fim da tarde perguntando o que você gostaria de comer hoje à noite, pois, felizmente, consegui sair um pouco mais cedo do trabalho e já estou no mercado; pode escolher o que quiser, hoje eu cozinho para gente! Eu mordo a tua orelha quando estamos no cinema, eu finjo não ter lido alguns livros só para te ver falando deles com ineditismo, teus olhos brilham, é um momento tão bonito que curto aos pouquinhos. Mas claro, eu só faço isso com pessoas que não gosto, pois, no fundo, eu só quero roubar o seu rim e vender no mercado negro; por que você acha que eu adoro hotéis com banheira?

Eu sei que você quer ter certeza dos meus sentimentos por ti, eu sei, eu sei… quem não quer? Ouvir que se é amado é uma delícia sem fim, mas, pelo menos um pouquinho, se deixe ouvir pela tua sensibilidade e observe como eu te olho com todo o amor do mundo; o meu olhar fala, grita, soletra sentimento, traz você para o meu mundo todos os dias. Cada um demonstra os sentimentos à sua maneira, com atitudes, pequenos detalhes, beijos que nos adormecem, mensagens aleatórias perguntando coisas que só quem gosta quer saber. Ou por acaso o Dênis, aquele seu ex-namorado que ressurgiu das cinzas depois de três anos, te manda alguma mensagem perguntando se você quer que leve uma caixinha de chá Twinings, pois, por acaso, ele está no mercado e lembrou de você? É, eu também acho que não.

Não é porque não falo dos meus próprios sentimentos com a frequência que o mundo cobra que eu não esteja de corpo e alma com você. Então, sei lá, me conta dos teus problemas, dos teus sonhos, divide uma barra de chocolate meio amargo comigo na madrugada, pede para eu fazer brigadeiro, e me obriga a ser de panela, porque sou preguiçoso e provavelmente farei no micro-ondas, me morde, me beija, me esconde do mundo, faz o que você quiser comigo, mas, por favor, só não duvida do quanto gosto de você… até porque eu só mordo a orelha de quem eu gosto.

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  • Amirah Vieira disse:

    Achei muito bacana essa passagem… fiquei curiosa para saber qual o nome do livro? Autor?