Lembre-se: você não é a sua nota do Enem!

Quanto mais trabalhamos em busca de um determinado objetivo, naturalmente, mais expectativas depositamos em torno dos resultados esperados. Quando estes resultados não chegam (ou quando não são suficientemente satisfatórios), toda essa expectativa se transforma em autopunição. A sociedade em que vivemos faz com que tenhamos que lidar com isso durante toda a nossa vida.

Desde muito pequenos, somos enxergados como números. Somos criados com a obrigação de não só vislumbrarmos, mas, também, de alcançarmos, sem desculpas, a tão esperada nota dez, até o ponto de esquecemos que, ao condicionarmos uma criança a buscar – a todo custo – uma sucessão de notas máximas em matemática, sendo que ela se sente mais confiante e confortável em estudar língua portuguesa, fazemos com que, ano após ano, batalhas intermináveis sejam travadas na cabeça deste indivíduo, que cresce se sentindo forçado a ser excelente, em algo que, muitas vezes, ele necessitaria apenas ser razoável. Sim, ser razoável seria, neste aspecto, um baita remédio para a saúde mental.

Com o Enem não é diferente. São inúmeros: alguns que amam biologia e detestam física; outros que poderiam viver debruçados sobre pilhas de livros de história, mas, por outro lado, não suportam assistir sequer uma aula de química; outros tantos que não perdem uma só revisão de matemática, contudo, se arrastam até o colégio quando a primeira aula é de geografia; além daqueles que se sentem mais felizes estudando artes, praticando esportes ou exercendo qualquer outra atividade que não seja necessariamente acadêmica, todos estes, perfeitamente distintos em suas verdadeiras essências, são mantidos em regime semiaberto durante vários anos, da escrivaninha do quarto até a carteira da escola, passando por um terceiro turno num cursinho com nome bacana (quando privilegiados são), privados das vivências de uma fase única da vida, sendo obrigados a realizarem uma mesma prova, gostando ou não, sob pena de exclusão social e rejeição familiar, em busca de uma aprovação que, em muitos casos, nem é um objetivo pessoal, mas sim o resultado de um conjunto de construções sociais, visando alcançar um futuro intransferível, que parece ser a única opção plausível e que, milagrosamente, tem o mesmo caminho para todos – apesar de não serem oferecidas as mesmas condições de alcance -, tudo para que, lá na frente, bem lá na frente, tenham a tão sonhada e cobiçada estabilidade financeira.

Só que aí chega o tão esperado dia da prova e todo o peso recai sobre nós, não sobre a nossa família, nem sobre o nosso colégio, muito menos sobre os nossos professores ou colegas. Sobre nós, que tanto sabemos o quanto tivemos que nos sacrificar para chegarmos até aqui. Só que, pode acontecer de o nervosismo sobrepor a nossa capacidade (ou aquilo realmente não ser a verdadeira expressão da nossa capacidade). E então, depois de tanta ansiedade, é liberada a nota e, mesmo que ela seja suficiente para nós, pode ser que ela não seja para aqueles que estão lá fora. Pode ser que ela seja suficiente para o curso que nós desejamos, mas não para o curso que os nossos pais desejam. Pode ser que nós não queiramos mais tentar, ou pode ser que seja apenas o primeiro ano. Contanto que seja uma escolha pura e exclusivamente nossa, prova alguma será capaz de ser maior que os nossos mais profundos desejos.

Enquanto a educação for tratada como uma competição, os números continuarão sendo mais valorizados que os sentimentos.

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