Quem critica amigo é – Quem ama também bate

Recebi uma ligação. Era meu chefe me chamando para ir à sala dele. Entrei com ar amedrontado e ele, sem pestanejar, pediu para que eu fechasse a porta. Logo imaginei que seria demitido, mas, por saber que ando em dia com minhas obrigações da agência, rapidamente afastei essa hipótese macabra. Então, antes mesmo que ele começasse a falar, em silêncio, torci para que ele comunicasse um aumento. Não foi dessa vez. Mas, se quer saber, o que ele me concedeu foi bem mais valioso do que qualquer acréscimo no salário. Diferente das outras tantas conversas que costumo ter com ele, no mesmo ambiente que geralmente é palco de discussões publicitárias, não conversamos sobre campanhas ou estratégias necessárias para impactar algum público-alvo. Foi bem melhor do que isso. Ele me convocou para dizer que havia lido meu livro e que precisava falar algumas coisas. E, diferente de outras muitas pessoas que só me encheram de elogios grandiosos, ele me mostrou diversos pontos negativos e ângulos que, infelizmente, por falta de experiência, de maturidade e até por medo de encarar minhas fraquezas, eu não havia sido capaz de enxergar. Ouvi calado e com muita atenção. Apenas consenti movimentando a cabeça. Anotei tudo o que ele disse em algum lugar importante da minha cachola. Não foi fácil. Críticas negativas chegam a doer mais do que quando batemos o dedinho no pé da cama. Em alguns momentos, por mera vaidade, até pensei em inventar argumentos para me defender, ou melhor, para proteger meu livro. Porém, se fizesse isso, estaria me enganando, assinando meu atestado de involução e matando meu próprio progresso. Por isso, fiquei quieto e enxerguei aqueles conselhos como um visto para um futuro melhor. Logo percebi que aquelas palavras sinceras eram exatamente aquilo que precisava para motivar minha evolução e para me colocar em zona de revolução. Claro que amo ser elogiado e que sorrio toda vez que ouço alguém dizendo que achou meu texto do caralho. Entretanto, além de causar sorrisos, os aplausos têm o poder de nos enraizar na zona de conforto e de nos fazer achar que não precisamos mais de lapidação. Temos que tomar muito cuidado com os enaltecimentos, pois, além de inflar nosso ego e ampliar nossos sorrisos, eles tendem a acalmar nossa ânsia de evoluir. Baldes de água fria são necessários. Imprescindíveis para todos, não apenas para escritores com desejo de consagração.

Foi uma das melhores surras que levei e, graças aos bons hematomas que ela me gerou, percebi que precisamos de muita coragem para desempenhar o papel de amigo verdadeiro. Passar a mão na cabeça do ser amado é extremamente fácil, nem sequer exige coragem. Difícil mesmo é abrir a boca para dizer que ele errou. Mas é preciso. Quem critica, para o bem e em prol do progresso, amigo é.

Não estou dizendo para sermos iguais àquelas vizinhas chatas que passam o dia todo em busca de algo para crucificar, nada disso. Apenas acho que, sempre com delicadeza, educação e sensibilidade, devemos alertar aqueles que não são capazes de enxergar as próprias deficiências. Talvez, se você não fizer isso, ninguém o fará. Ou seja, o erro continuará existindo graças ao seu silêncio. Todos nós, sem exceção, precisamos de amigos dispostos a nos transformar no melhor que podemos ser. O espelho está longe de ser suficientemente eficiente para nos ajudar a encarar nossa pior face. Precisamos dos olhos daqueles que estão de fora e que, devido ao distanciamento emocional, são capazes de enxergar a razão que nosso coração abafa.

Por medo de magoar ou frustrar, é muito comum elogiarmos aquilo que não consideramos certo. Por quantas e quantas vezes não mentimos e elogiamos um texto cheio de falhas, uma roupa que não cai bem e até atitudes não condizentes com aquelas que consideramos corretas? Entendo que fazemos isso de forma quase inconsciente e numa tentativa, na minha visão, errada, de preservarmos a amizade daquele que realmente importa pra nós. Porém, amigos de verdade são aqueles que nos corrigem e que, quando necessário, para nos livrar da inércia, dão-nos tapas e nos dizem “não!”.

Se um dia eu sentar no sofá do Jô, em meu discurso emocionado, além de agradecer aos tantos leitores que me aplaudiram de pé e aos que me fizeram lacrimejar de tanta emoção, farei questão de reconhecer a indiscutível importância de seres corajosos como meu chefe e de pessoas que, assim como ele, chacoalharam-me quando ameacei me acomodar. Obrigado, caros amigos verdadeiros, pois, sem vocês, confiaria na minha cegueira.

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