O Orgasmo da mente – Gozar depois de morto não vale

Nascemos completamente fodidos. Tiram a gente de um lugar quentinho, com fácil acesso a tudo e nos trazem para um lugar gelado, barulhento e cheio de luzes na nossa cara. Os veteranos ficam com nojinho do sangue de placenta que escorre por nós, mas não conseguem entender que nojenta mesmo é a atitude do médico que mal nos conhece e já desce um tapa na bunda daqueles que não choram. Hey, pensei que só minha mãe poderia fazer isso, doutor.

A gente fica perdidinho naquela sala branca porque não sabemos bem como respirar, como enxergar, muito menos como comunicar. A habilidade de comunicação surge pouco a pouco e é bastante instintiva. Mas fica aqui uma indignação: A gente nasce, toma uma lapada na bunda, aí a enfermeira dá um banho de leve e já nos levam pra tomar leite de peito. Porra, nem pra dar uma fervidinha antes, mãe? Sei lá, misturar com Farinha Láctea ou Nescau.

Bom, crueldades à parte, a coisa começa a melhorar quando nos levam para casa. Nos embrulham em panos bastante quentinhos; o nome que os veteranos dão pra isso é cobertor. Lá ‘em casa’ os familiares nos tratam muito bem. Não nos deixam embosteados por muito tempo e ainda começam a dizer ‘cuti-cuti’. Apesar de a expressão poder ser outra. Essa que usamos vem do inglês ‘cute-cute’ e nos países de língua inglesa faz sentido, pois significa ‘fofinho-fofinho’.

Conforme desenvolvemos a habilidade de comunicar, seja através do choro, do grito ou de pequenos gestos, começamos a ter as primeiras responsabilidades: mamãe já nos cobra de mamar por mais tempo, de ficarmos mais silenciosos na hora do banho. ‘Porra, mãe, esses patos de borracha nadando comigo são demais, como você quer que eu não afogue todos eles?’. Pois surgidas as primeiras responsabilidades, estamos devidamente sedimentados nesse mundo.

Vem a infância, os inúmeros castigos e gradualmente grandes aprendizados. Dizem que somos capazes de aprender mesmo quando ainda estamos na barriga, mas não é de se negar que é com broncas, abraços, papos e choros que desenvolvemos nossa personalidade. As pessoas costumam dizer algo que, em geral, discordo muito:

‘Ahh, mas é uma maravilha ser criança, tudo é diversão, não há responsabilidades.’

Que frase estúpida. O mundo dos pequenos é sempre proporcional. Para eles, a frustração de ir mal em uma prova ou não conseguir se declarar pra amiguinha/amiguinho é tão grande quanto a nossa de ser demitido ou tomar um pé na bunda. Entender que o mundo da criança é proporcional ao nosso é o primeiro passo pra se estabelecer uma relação genuína. Crianças que se sentem compreendidas – e não enroladas – tornam-se muito mais aptas a aprender. E é aí que começa verdadeiramente o assunto desse texto.

Talvez assuste a mudança de tom que vou propor no texto, mas calma, é necessário expor algo: o sistema educacional brasileiro é patético. Aprendemos, digo, decoramos histórias, funções matemáticas, fórmulas de física e a altura das montanhas do Himalaia. Ótimo, é um conhecimento interessante e que dá base para vários tipos de profissionais que virão.

Mas eu nunca vi uma aula sequer que ensine o aluno a trocar um chuveiro, aí, depois disso, repassar as fórmulas de física que existem por trás disso tudo. Eu nunca vi uma aula de história afirmar que a expressão ‘Brasil descoberto em 1500’ é uma grande piada. Se já existiam índios aqui, como diabos podem usar a palavra ‘descobrimento’? Eu nunca vi uma aula de matemática ensinando as crianças qual é o modo mais inteligente de não se fazer dívidas e, se forem feitas, qual é o modo mais rápido de se livrar delas.

Paulo Freire foi uma grande figura da educação brasileira. O cara parecia o papai Noel, mas ouvi-lo falar (só vi por YouTube) é uma experiência única. E eu não paro de pensar no quanto esse cara deve revirar-se no caixão. O cara nasceu em 1917, foi até ministro da educação do Brasil por um tempo e sua filosofia básica era ‘o educando assimila o objeto de estudo fazendo uso de uma prática condizente com a realidade’, ou seja, só se aprende praticando com situações cotidianas.

Voltando ao assunto ‘nós’ (rs). Aí, legal, já sabemos fazer contas de dividir com dois números na chave, sabemos o que é uma proparoxítona, até quantas moléculas de nitrogênio existe na fórmula da água, ou seja, nenhuma. Entramos no colégio já com as primeiras dúvidas existenciais. Ali pelos idos de 14/15 anos de idade fazemos nossos primeiros questionamentos, começamos a sofrer por amor, entender melhor as perdas. Mas eu nunca, jamais, nem de longe tive uma aula que tratasse do tema amor, afinal é assunto bobo, né? Nunca tive uma aula que me explicasse porque eu estava perdendo ex-colegas e conhecidos para as drogas, para a violência. Fiz escola pública e morei em bairros pobres; na minha adolescência foi ‘normal’ ver pessoas que estudei ou joguei bola sendo levadas pra FEBEM ou para o caixão. Que professor me explicou esse fenômeno? Nenhum. Culpa então dos professores? Na maioria dos casos não. Culpa de quem te quer atolado em entretenimento – desses que você já paga R$800,00 na pista Premium – e pouco questionador em relação a tudo. Claro que não dá pra generalizar, mas alguns dos principais responsáveis pela idiotização do brasileiro são os políticos, banqueiros, empresários, publicitários e jornalistas. Repito: não generalizo. Existem sim bons políticos, publicitários, jornalistas. Mas no caso da publicidade, vejo mais profissional bom de consumidor do que bom de gente. Vejo jornalista criando manchetes como ‘Reynaldo Giannecchini deixa cair lenço sujo no chão’ e me pergunto: Se nenhum jornalista se sujeitasse a escrever isso, será que realmente existiria demanda?

Aí alguns sortudos se formam no colégio e podem ser considerados como ‘aqueles que têm segundo grau completo’. Chega a hora de alguns poucos e mais sortudos ainda entrarem na faculdade, afinal, esse é o caminho para conseguir um emprego melhor, que nos pague mais. Um filósofo que esqueci o nome dizia:

‘As universidades deixarão de cumprir seu papel fundamental quando forem procuradas para se alcançar a ascensão social e não o conhecimento.’

Não que isso seja ruim; é sensacional. Tornarmos o brasileiro financeiramente mais bem sucedido é uma conquista a ser comemorada. Mas algo precisa ser destacado: há de ser criado com urgência um espaço para o conhecimento. Com outras fórmulas – de repente sem fórmula alguma –, com outros ideais. Vejo pessoas com terceiro grau completo que não sabem diferenciar ‘mais’ de ‘mas’; ‘agente’ de ‘a gente’. E isso não é uma crítica exatamente à pessoa, mas quando vemos isso partir de alguém formado na faculdade, é preciso ligar o botão de emergência.

Aí vem mais da vida, outros amores, de repente alguns casam, outros têm filhos e a gente, já adulto, se toca que a escola não nos preparou para nada disso. Nem o colégio, nem a universidade. Que o orgasmo prometido para aqueles que se formam na faculdade simplesmente não existe, pois, existencialmente, sempre teremos novas questões para resolver. Seja sobre a vida, sobre a morte, a dor, a alegria, a paixão, o amor, os pés-na-bunda, a sexualidade, o preconceito, o ódio, a paciência. Seria ótimo que a escola tivesse tocado nesses temas com mais intensidade, mas isso ainda é utopia. Só deixo uma coisa clara: eu acredito em utopias.

Será então que o orgasmo final da mente é a morte? Se sim, não sei se fico feliz ou triste. Estão tornando nossa vida uma masturbaçãozinha qualquer quando ela poderia ser uma bela suruba de conhecimento. Bom, se é pra ser assim, que pelo menos seja a minha mão batendo, não quero que a masturbação da minha vida inteira seja pela mão suja de alguns políticos, empresários, publicitários e jornalistas.

Ah, só pra finalizar, atenderam parte do pedido dos Titãs. Na música ‘Comida’ eles diziam:

‘A gente não quer só comida, a gente quer comida, diversão e arte’.

Comida e diversão estão rolando bastante, arte um pouco menos. Aliás, bem menos. Porque ela não te espera morrer pra te fazer gozar. A arte quer seus hormônios à flor da pele, na tela, no palco e no papel; não nas finas folhas de madeira que compõem o seu caixão.

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