Um apelo por menos assédio e mais respeito às mulheres

Entre goleadas inesperadas, cobranças de pênalti para matar qualquer um do coração e prorrogações definindo quem será o vencedor entre times tradicionais no futebol e outros nem tanto – vide Alemanha x Argélia e Argentina x Suíça – a Copa do Mundo no Brasil me trouxe mais uma surpresa enunciada em manchetes de jornais na semana passada. “Homem é acusado de estupro após beijar menina à força em Curitiba”, dizia a Carta Capital. Parece que eles estavam em uma Fan Fest, o cara chegou – bêbado ou sóbrio, não se sabe –, agarrou uma adolescente de 15 anos, que tentava se desvencilhar, e enfiou a língua na boca dela. A menina contou para o pai e ele acionou a Guarda Municipal, que levou o homem até a delegacia onde ele foi autuado em flagrante por estupro, mesmo sem ter nenhuma passagem anterior pela polícia. Eu vibrei com o veredicto do delegado. E me desculpa, mas se o comportamento do criminoso não lhe parece condenável, de duas uma: ou você não é dotado de empatia, ou você faz igual.

Não. Não foi só um beijinho. Ou só uma loucura de gente bêbada. Ou só frescura de uma menina mimada ~que, se tem 15 anos, deveria é estar brincando de boneca e guardando a periquita em casa~. Foi um ato violento que merece ser tratado jurídica e socialmente como tal. Em primeiro lugar, porque se trata de uma conduta sexual – sim, beijar na boca é um ato de conotação sexual – imposta a uma menor de idade. Em segundo, porque não houve consentimento nem chance de se estabelecer um diálogo, como bem revela a palavra “imposta”. E em terceiro, porém não menos importante, porque o tal homem se aproveitou da força física para coagir uma pessoa. Fosse ela quem fosse.

Portanto, não é necessário ser advogado para concluir sem a menor dificuldade que beijar alguém à força é, no mínimo, desrespeitoso. Mas por que não é visto como tal? Porque é um ato majoritariamente praticado por homens, que se aproveitam da força física, contra mulheres. E a violência contra a mulher sempre foi banalizada. Na sociedade cheia de ranços patriarcais em que vivemos, o homem pode cometer o crime que lhe convier contra uma mulher, que o feitiço se virará contra o feiticeiro e (pelo menos) a raiz da culpa sempre será dela. Se ela apanha do marido, é porque gosta de sofrer. Se ela foi estuprada, é porque a saia estava curta demais. Se ela foi assediada pelo chefe, é porque vai trabalhar com decotes muito indiscretos. Se ela teve sua liberdade cerceada e só sai de casa quando o marido permite, é porque deve ter andado aprontando por aí.

Mas basta um pouquinho de bom senso para saber que as coisas não são bem assim. Seja você partidário do feminismo ou não, aceite: o corpo da mulher é dela. Não é da mídia, que faz dele um espetáculo. Não é do pai, que regula cada centímetro da roupa da filha. Não é do namorado, que tranca a namorada em casa por ciúme. Não é da igreja, que sai propagando pensamentos ultraconservadores que não seriam os mesmos caso o Papa fosse uma mulher. É dela, e ponto final. Portanto, ela transa, sim, mas com quem ela quiser. Ela tira a roupa, sim, mas na frente de quem ela quiser. Ela aceita o convite para um cineminha, sim, mas com quem ela quiser. E ela beija na boca, sim, mas somente quem ela quiser.

Sim, esse é um apelo. Um apelo para a sua consciência, que acha normal e bacana sair por aí bancando o taradão, enfiando a mão na bunda e beijando mulheres à força. Eu e milhares de meninas – é bem provável que sua irmã ou uma amiga muito querida também estejam inclusas nessa contagem – já passamos por esse tipo de humilhação. E está mais do que na hora desse espetáculo de circo acabar, com cada personagem em seu respectivo lugar: as vítimas gozando de liberdade e os criminosos respondendo judicialmente.

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