14 coisas que aprendi viajando sem dinheiro e pegando caronas
Imagine partir para uma aventura com uma pessoa que tem por costume viajar por aí sem dinheiro, pegando carona com caminhões ou carros, acreditando no lado bom das pessoas. Não sabíamos ao certo para onde iríamos, foi uma decisão conjunta, em cima da hora, eu tinha mais ou menos uma semana, e o que me importava eram justamente as circunstâncias da viagem e nem tanto para onde iríamos.
Carolina Bernardes, a pessoa em questão, tem uma frase pronta para quem começa a fazer questionamentos sobre seu modo de viajar: “eu não quero convencer ninguém”. E isso vai ficando claro ao longo da viagem. Não se trata de uma ideia mirabolante que precisa de aprovação do mundo. É a forma que ela escolheu para viver e a partir disso resolveu compartilhar com as pessoas.
Meu objetivo nessa viagem não era parecer um aventureiro da geração beat tentando convencer os outros de que sou livre, desapegado e corajoso. Eu queria apenas experimentar uma nova forma de viajar, não me atentar apenas ao lugar, mas também as circunstâncias da viagem e quem sabe no meio disso aprender coisas novas, para botar em prática, e claro, compartilhar com mais pessoas. Queria saber como é esvaziar a mente através de relações genuínas, queria presenciar gentilezas que faltavam no meu cotidiano, queria achar preciosidades por esse Brasil tão rico de pessoas mágicas.
Fui tão feliz nessa semana. Foram dias diferentes, tranquilos e todo esse meu relato sobre a viagem se confunde um pouco, com o que ouvi da minha própria companheira, a Carol, que dividiu muitos de seus aprendizados comigo, e é responsável por boa parte dessas minhas conclusões.
1 – Ambientes de consumo alteram nosso humor e tranquilidade
Sempre que vou a um Shopping Center, noto nas pessoas um misto de tensões: nervoso, pressa, gula (relacionada ao consumo), competição, ansiedade. No restaurante, gente nervosa destratando o atendente porque esta com fome, no supermercado, gente que fica impaciente com a demora da fila – mas que optou por estar lá. Uma serie de situações que nos deixam agressivos e egoístas, e transformam o outro – o que está na sua frente – em um obstáculo e não mais um ser humano. Dentro da proposta de não gastar dinheiro e frequentar apenas lugares em que as pessoas compartilham ao invés de acumular, pude enxergar que o mundo é mais abundante e generoso do que pensamos, e existe uma serie de alternativas em que nós não precisamos estar nestes lugares que incitam uma espécie de intolerância com o outro. A troca, a carona, o reaproveitamento, o compartilhamento, e até a meditação são ótimas maneiras de driblar essa necessidade.
2 – Sonhos são mais confortáveis quando são apenas sonhos.
Sim, viajar nesses moldes (sem dinheiro, pegando carona) possui um lado extremamente libertador, poético e aventureiro, mas existem momentos em que seu mundo confortável faz bastante falta. Quem nunca sonhou muito com algo, mas quando isso virou realidade, viu que teria um baita trabalho. Numa viagem assim você pode ficar horas no sol tentando uma carona e se não consegue precisa ficar acampado em postos de gasolina, lugares em que muitas vezes passam pessoas bêbadas, cães escandalosos, fora o interminável barulho de carros. Posso dizer que no meu caso isso aconteceu pouco, mas aconteceu. Às vezes a comida não vem exatamente na hora em que seu corpo está pedindo, e não podemos nos dar ao luxo de escolher, ou seja, se sou vegetariano, tudo fica mais difícil, ou melhor, menos fácil. Às vezes você perde o dia apenas pegando carona e conhecer as cidades fica em segundo plano.
3 – As pessoas quando nos ajudam, se sentem dentro do seu sonho.
É impressionante como o sorriso e a objetividade fazem diferença na primeira abordagem para pedirmos carona ou alimentação. Outro símbolo extremamente convincente é justamente a nossa mochila: ela é uma prova informal de que você não está ali para assaltar a pessoa ou se prostituir. No caminho, durante as conversas com caminhoneiros e motoristas de carro, todos deixam escapar em algum momento de que sonham fazer o que nós fazemos. A maioria diz que o fato de terem família e casamento impede que a aventura se concretize. Mas quando uma pessoa está nos ajudando fica muito claro que ela se sente dentro da nossa aventura, mesmo que por alguns instantes de degustação.
4 – Estar com fome é diferente de ter vontade de comer.
Lembro-me que um dia antes de viajar, minha companheira disse que muitas vezes em suas viagens, ela jejuava, e eu que sou frequentador nato de dispensa e geladeira, tive até uma crise de abstinência no caminho de ida, imaginando como seria passar por isso. Foi como um sofrimento antecipado. Cheguei a ficar até com a boca seca. Minha parceira dizia: “mas você já passou fome? Fome mesmo? Ou você está apenas com vontade de comer? Existe uma grande diferença nisso.” A questão é que ao ocupar o dia sem se prender as dívidas psicológicas que a nossa rotina pede (café, almoço, jantar) e que fazem com que a nossa lógica de alimentação seja de fora para dentro e não de dentro para fora, é possível comer menos, sem que com isso eu passe vontade de comer. Um exemplo é ir a um restaurante já sabendo o que você vai comer, sem deixar para decidir na hora, esse é um dos motivos para nos excedermos.
5 – O meu mundo é a minha timeline, mas o mundo não é a minha timeline.
Costumamos achar que o mundo se baseia no nosso universo, nos nossos valores, no nosso olhar. Saindo desse eixo egocentrista e fazendo uma viagem como esta, fui questionando minhas crenças e me deixei surpreender com o que o mundo tinha para mostrar além da minha timeline. Pense que no Facebook existe uma reunião de pessoas escolhidas a partir de critérios e universos de convivência exclusivamente nossos, e essa reunião de pessoas provavelmente possuem identificações completamente associadas aos seus anseios e pensamentos. Isso não é uma coincidência e, portanto, isso não significa que o mundo seja assim, mas que o seu mundo construído é. Eu sempre ouvi que pelo Brasil afora era possível descobrir um tipo de solidariedade ímpar, vinda de gente simples que muitas vezes mal tem o que comer. Definir como brasileiro apenas quem mora na sua cidade reduz e muito algo que é tão imenso e diverso como o nosso país. Sim, existe gente boa no mundo, e descobrir almas assim foi comovente e transformador.
6 – Querer muito uma coisa, vai além do gostar.
A verdade é que eu venho de uma geração mimada, a “geração merthiolate que não arde” e costumo dizer que sou um protagonista que confirma essa tese e ao mesmo tempo uma vítima que muitas vezes se vê perdida dentro da própria falta de autonomia. Mas o fato é que muitas das coisas que almejamos possuem um caminho que compreende partes desagradáveis, e para se chegar a um objetivo, muitas vezes somos obrigados a enfrentar esses momentos, menos excitantes e não tão agradáveis. Por mais batida que essa ideia seja batida, o que importa é muito mas o caminho do que a chegada.
7 – Bancar nossas escolhas é mais importante do que ser rico ou “dar certo”.
Não, você não é pior do que os outros porque aos 30 ainda mora com os pais, nem um fracassado porque não é gerente de uma multinacional aos 35. Trabalho é tudo aquilo em que colocamos energia e isso independe de recompensa e reconhecimento – dois fatores que costumamos levar em conta dentro dessa lógica cambial inventada.Trabalho também significa criar, realizar, produzir. O fato é que se você escolher ganhar pouco dinheiro, ou trabalhar menos, talvez tenha que abrir mão de certas regalias cotidianas – que muitas vezes você nem precisa. Se você trabalha muito tempo por dia, acumula muito dinheiro, mas não tem tempo para se divertir, talvez o seu trabalho esteja lhe saindo caro, sem que você perceba. Nós nunca somos obrigados a nada, somos livres para mudar, o grande desafio da vida no fim, não é o acúmulo, mas conseguir bancar as suas escolhas. A Carol, minha companheira de viagem trabalha viajando. Ela costuma trocar comida e hospedagem em troca de trabalho em centros budistas, ou instituições sociais. Isso lhe proporciona prazer, ela sente que é uma energia bem gasta, que lhe oferece exatamente o que ela precisa para sobreviver e se sentir bem.
8 – As pessoas nos dão o melhor que elas têm pra nos dar no momento.
Quando abordamos os motoristas e caminhoneiros o mais comum é recebermos o não, geralmente porque o destino deles não é o mesmo que o nosso, ou porque simplesmente a pessoa não desenvolveu empatia ou confiança. Saber receber o não com simpatia, sem que o sorriso se desfaça também é uma forma de gratidão. Quem nunca passou pela situação de ir a uma loja apenas olhar os produtos e ser recebido com simpatia por um vendedor, mas diante da negativa em levar algo, esse atendente automaticamente lhe fechou a cara, e ficou evidente que existia ali uma artificialidade em seu jeito. O fato é que as pessoas possuem sempre o que de melhor podem nos dar naquele momento, mesmo que isso signifique apenas um sorriso. A forma como eu me comporto diante do não é um grande atalho para o sim.
9 – Você não precisa odiar o dinheiro, mas pode repensar sua relação com ele.
Eu sempre carreguei certa culpa em relação ao dinheiro, porque ao mesmo tempo em que eu gostava de ter, acumular, consumir eu me sentia desconfortável em ver alguém na rua passando fome. A princípio, eu pensei que a proposta do “sem dinheiro” na viagem era uma espécie de penitência, um jejum a ser cumprido, mas depois fui entendendo que aquilo não era bem uma regra. Minha companheira não tinha uma relação de negação com o dinheiro, ele era inclusive bem-vindo caso aparecesse. A questão era a nossa forma de lidar com ele, era uma questão de mentalidade. Mesmo quando o dinheiro aparece, ela não deixa de praticar os seus hábitos costumeiros como viajante. Recusa-se a pagar um Hostel, continua pegando carona e comendo com a ajuda dos outros, e o seu trabalho continua não pautado na recompensa. Mas, justamente porque o dinheiro não é um fator determinante em seu modo de vida, quando ele acaba, ela não para de viajar por isso, nada se altera em seu trajeto. O dinheiro acaba servindo para alguma emergência, ou como um fator secundário. Durante a viagem, Carol levava R$ 200,00 que havia ganhado de sua mãe, e mesmo tendo me conhecendo um pouco antes de viajar, ela fazia questão de ressaltar que esse dinheiro era nosso e que eu também poderia usufruir dele caso fosse preciso. Por ironia do destino esse dinheiro sumiu durante a viagem, e ela não pareceu ter ficado preocupada com isso. A partir dessa situação eu aprendi que o “sem dinheiro” era algo que ia além da materialidade da expressão. Não importava muito se tínhamos ou não dinheiro durante o nosso caminho, o que importava na expressão “sem dinheiro” era que sem ele, nada mudaria em nosso trajeto ou na maneira de viajar.
10 – Ser solidário é uma forma de gratidão.
Quando chegamos a Alto Paraíso em Goiás ficamos na casa de um esloveno junto de uma reunião de artistas mambembes. Gente do mundo todo, que se conheceu viajando nesses moldes do “sem dinheiro” e que “sem querer” se encontravam em outras viagens e acabavam se juntando por alguns dias como se fossem uma família. É interessante como essa prática de viagem cria uma rede de adeptos pelo mundo, formada não só por gente que se desloca, mas que gosta de receber viajantes assim. Isso quer dizer que dificilmente falta lugar para ficar quando entramos para esse mundo e vamos fazendo amigos que levam a vida de um jeito solidário e desprendido. Essa trupe de artistas que conviveu conosco, tinha um pensamento comunitário que funcionava da seguinte forma: durante o dia, a maioria ia para algum ponto com fluxo de carros ou de pessoas, fazia algum número de circo, ou demonstração musical de calçada e o dinheiro arrecadado servia para a compra de ingredientes que mais tarde viravam um banquete socializado, em que cada um contribuía com o que ganhou, e mesmo quem não havia contribuído com nada participava sem ser fiscalizado ou tratado como diferente. Ali naquela cozinha, durante essas deliciosas refeições havia uma energia diferente, um clima de amizade com luau, em que a vida era simples e fácil, era como se aquela cozinha fosse o lugar mais importante da minha vida, simplesmente por eu me sentir lá, não apenas estar.
11 – “Para morrer basta estar vivo.”
A pergunta que mais fazem para a Carol é: mas num é perigoso? Uma mulher vagando com caminhoneiros pela incerteza das estradas. Como assim? “Ela deve ser muito corajosa”. Carol costuma dizer que não possui coragem nenhuma, se ela dependesse da tal coragem não sairia viajando por aí. Ela usa a palavra “confiança”. “Eu não tenho coragem, eu confio! Tenho fé que eu só vou atrair pessoas boas no caminho através do que eu penso.” E curiosamente foram exatamente esses tipos de pessoa que encontramos pelo caminho. Gente alegre, prestativa, generosa, bem intencionada. Às vezes achamos que estando em casa, protegidos do mundo, estamos a salvo do perigo. Mas esse é um falso controle, existem diversas maneiras de você se acidentar dentro desse refugio confortável. Muitas das nossas certezas sobre segurança são um tipo de ilusão. Muitas vezes em algumas cidades éramos alertados por alguém para que tomássemos cuidado pois tal lugar era perigoso. Eu notava na Carol uma despreocupação com esse tipo de alerta. Ela dizia que geralmente esses tipos de afirmações vinham carregadas de preconceito, e geralmente baseadas em conclusões não experienciadas pelo locutor.
12 – Pequenas cidades, grandes corações.
“Vai diminuindo a cidade
Vai aumentando a simpatia
Quanto menor a casinha ia ia
Mais sincero o bom dia.”
Essa música define muito a experiência que tivemos em cidades menores. Costumamos achar que a tal “cabeça aberta” vem das metrópoles e seus moradores esclarecidos. Mas nelas, existe também um alarmismo e claro um perigo mais eminente que acaba deixando as pessoas mais desconfiadas e menos abertas a ajudar. Nas cidades de interior, seja em Minas, Brasília ou Goiás vivemos situações fantásticas: gente que nos abordou no ônibus oferecendo almoço, gente que mudou de caminho só para nos deixar onde precisávamos na estrada, gente que nos ofereceu literalmente casa, comida e roupa lavada. Parece mágico e É!
13 – Existem pequenas etiquetas no mundo das caronas.
Saber de onde você vem e para onde está indo é uma premissa crucial para quem viaja pegando carona. Por muitas vezes eu esquecia o nome da cidade de onde estávamos vindo e isso pode fazer diferença em diversas situações, seja para pedir carona, ou para se assegurar de que está no caminho certo. Saber que o seu tipo de conversa atrai quem você quer. Você jamais vai descobrir se alguém entende de filme, se você só falar de comida com essa pessoa. Pegar carona é a construção de uma relação, ali invariavelmente está ocorrendo uma troca, e algumas atitudes como dormir quando o caminhoneiro quer conversar, ou não oferecer ajuda em nenhum momento podem não ser de bom tom. Lembrando que não existem regras nessa parte. É uma questão de bom senso.
14 – A teoria da bolha
Uma viagem nunca depende apenas do lugar para onde você vai. A Carol me falava muito sobre “criar bolhas” pelos lugares. A bolha é o contexto que você vivencía quando viaja. Isso envolve fatores como: com quem você irá relacionar-se, como será a combinação dessas pessoas, por quais conflitos e situações você passará, quais músicas, medos, momentos, cheiros, sabores, cores irão abranger a sua viagem. Essa teoria diz respeito à sua experiência em relação ao momento. Mesmo indo ao lugar mais paradisíaco, não será necessariamente a vista do mar que irá marcá-lo, mas sim as situações inesquecíveis que você viveu naquele cenário.
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