5 habilidades pessoais que só o busão é capaz de aflorar em nós
Mais generoso do que coração de mãe, só a linha vermelha sentido Corinthians-Itaquera às seis da tarde de segunda a sexta. Cabe o meu amor, cabem três vidas inteiras, cabe uma penteadeira. Cabem 14 pessoas por metro quadrado. É só espremer que cabe. Num ônibus abarrotado, a lei da física que diz que dois corpos não ocupam o mesmo lugar no espaço é contestada a cada instante. De Rio Grande da Serra ao Brás. De Pirituba a Santo André. Da Sé a Ermelino Matarazzo. E embora nós, usuários do transporte público, passemos muito aperto – literalmente – há vivências e maturidade que só conquista quem anda de busão.
1. Desprendimento: dormir no ombro de alguém desconhecido
A maior realização de qualquer ser humano ao entrar no transporte público é encontrar um assento – não reservado – vazio. A distância entre o você e o banquinho desocupado pode ser de apenas cinco passos, mas o percurso parece mais longo do que uma São Silvestre inteira. Porque a iminência dele ser ocupado por aquela moça que carrega um “A culpa é das estrelas” ou por aquele cara que joga Street Fighter versão mobile é grande. Por algum milagre divino – também conhecido como “vou descer no próximo ponto” – eles não se sentam. E é a sua vez. Você senta, se ajeita, coloca a mochila entre as pernas, sente aquele sacolejo delícia, fecha os olhos e começa o tão esperado cochilo. Que só termina quando você, vexatoriamente, já está com a cabeça completamente repousada no ombro da tiazinha que está no assento ao lado. Ou – pior –na pança do cara que está em pé no corredor.
2. Senso investigativo: assuntar conversas alheias no Whatsapp
Deve ter sido por isso que Deus me fez um bicho cheio de miopia. Porque é inevitável – e eu quero que todo o Brasil saiba disso, pra ninguém dizer que eu não avisei: se você, sua mãe, seu pai, sua irmã ou a presidenta estiverem sentados perto de mim no ônibus e mexendo no Whatsapp, eu VOU espiar a conversa alheia. Esse é um fascínio que requer estudo científico, porque não sou daquele tipo que fuça em bolso de pai a procura de carta de amante ou em celular de namorado – nunca fiz isso na vida. Meu interesse é pelo desconhecido. Já presenciei namorada jogando na cara do namorado que nunca gozou com ele. Truta confessando pra truta que espancou um inimigo. Menino com style heavy metal, mas que bota “Adoro amar você” no player. Já achei a última palavra que faltava pra um tiozinho japs completar o caça-palavras level hard da revistinha Coquetel. Hitchcock? Tá na sétima coluna, linha cinco, de trás pra frente. Falei mesmo.
3. Persistência: continuar lendo um jornal ou um livro de 500 páginas mesmo quando o trem fica abarrotado na estação Pinheiros
Toda vez que insisto em consumir literatura quando estou em pé dentro do ônibus lotado e sacolejando, rodeada por cotovelos pontiagudos e sovacos transpirantes, me sinto um pouco Charlinho, o menino que só queria estudar. Saudades, Hermes e Renato.
4. Solidariedade: externar pro mundo o que há de melhor em você
Se o transporte público é um aglomerado de gente, pode acreditar, é também um aglomerado de sofrimento. E, às vezes, um sorriso ou um aperto de mão podem fazer a diferença pra alguém. Costumo dizer que o meu trabalho voluntário é transformar metrô, trem e ônibus em lugares menos inóspitos.
Já abracei um homossexual soropositivo que era professor de francês, mas estava desempregado. Era a primeira vez na vida que ele ia vender bala no ônibus e estava morrendo de vergonha. Aconselhei mulher agredida pelo ex-namorado a procurar a Delegacia da Mulher. Ela tinha acabado de apanhar e estava chorando muito. Confortei a Wilma, uma mulher de força e sorriso incríveis que veio trabalhar e morar em São Paulo depois de o marido tê-la trocado pela ~melhor amiga~ lá no Ceará.
Conversei com o Fofão da Augusta – paulistanos entenderão. Ele, por entre silicone vazado na bochecha e cabeleira despenteada, me prometeu que, às 22h do dia 22 de dezembro de 2013, uma limousine branca ia me buscar na porta da minha casa. E o cagaço na hora de ir à portaria buscar a pizza de calabresa que eu tinha pedido na noite do dia 22?
5. Coragem: de detonar o babaca que não consegue controlar impulsos sexuais
Encoxar, passar a mão, tirar o pau pra fora, esfregar o pinto no ombro da mulher que está sentada – converse com mais cinco mulheres e conhecerá mais cinco formas de abuso no transporte público. Não importa de qual maneira: a macharada precisa externar seus impulsos sexuais. E a gente precisa repreender. Com um xingamento, com um escândalo, com uma cotovelada caprichada, com uma joelhada no saco ou com um tapa na cara. Não sou eu, não são as feminazis – é Isaac Newton e sua terceira lei, o princípio da ação e reação. Fez escrotice, toma escrotice de volta.
E assim a gente vai: no balanço do busão, no fungado da sanfona, cheirando centenas de sovacos diferentes por dia.
nossa história de vida kkkkkk! Paula Fernanda Dell Antonio