A história de Max e Bella
Depois de duas horas de reunião sentado em uma cadeira moderna feita de tiras de aço retorcidas, Max não conseguia se concentrar em mais nada. Para sua sorte, a reunião acabou. Ficaram de lhe enviar os detalhes por email. Menos mal que ele não precisaria ficar mais tempo sentado naquela cadeira de tortura. Era preferível se sentar em uma peneira. Ele tinha certeza de que haviam lhe dado aquela cadeira para que ele cedesse e aceitasse o trabalho com um pagamento de quase metade do que ele havia pedido. E deu certo. Ele teria aceitado o trabalho de graça tão somente para poder se levantar daquela cadeira o quanto antes.
Ao sair da sala, uma mocinha de óculos grossos e cabelo pintado de rosa lhe indicou o caminho da saída. Max foi andando sozinho pela produtora procurando a porta. O fato de ele ter ido sozinho não quer dizer que ele tivesse entendido o caminho ziguezagueante descrito pela estagiária. Ele seguia o fluxo na medida em que tentava se lembrar do caminho que havia feito até a sala. Depois de inúmeros olhares e risinhos por causa do seu andar hesitante de quem não sabe o caminho, Max decidiu apertar o passo e andar obstinado e confiante, como se soubesse para onde ia. Mas eis que ao virar à esquerda no final de um corredor, ele deu de cara com a entrada para o banheiro feminino e, subitamente, parou. No exato momento em que ele parou ele sentiu uma batida brusca nas costas e um gritinho de “Ai!”. Era Bella, que vinha em direção ao banheiro feminino para se olhar no espelho, segurando um copo de suco de laranja, mas teve sua jornada repentinamente interrompida por um sujeito indeciso que resolveu parar de repente. Quando se virou Max não sabia se olhava para o rosto lindo de Bella, para o decote generoso ou para a parte da blusa embaixo do decote, agora molhada de suco de laranja. Irritada e ignorando o olhar hesitante de Max, que revezava entre seus olhos e seus peitos, Bella rapidamente empurrou Max para o lado e passou para o banheiro, onde proferiu dezenas de palavrões, praguejando por terem sujado a sua blusa preferida. Max ainda ficou parado alguns segundos, tentando absorver a informação de ter esbarrado com aquela mulher linda, de ter sujado sua blusa e de não ter conseguido falar uma única palavra, fosse “desculpas”, fosse “eu te amo e quero que você seja a mãe dos meus filhos”.
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Assim que Max saiu pela porta de casa, Ringo correu para a janela. Ele vê Max passar, entrar no carro, ainda na garagem, e sair. Ringo espera sempre por alguns segundos na janela – o suficiente para Max voltar caso tenha esquecido algo, o que acontece pelo menos duas vezes por semana. Percebendo que Max não esqueceu nada dessa vez, Ringo bebe um pouco de água, faz uma ronda pela casa bagunçada e se deita no sofá para um cochilo. Não sem antes ter que jogar fora do sofá dezenas de jornais velhos, livros, contas esquecidas e revistas ainda não lidas. Ringo é um gato vira-latas de um ano e meio, e melhor amigo de Max.
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Quando Bella termina de se arrumar e vai em direção à cômoda para pegar as chaves, Marvin e Charlotte já sobem na janela, como se a dona fosse se materializar no hall do prédio antes sequer de ter saído de casa. Antes de ela abrir a porta para sair, os dois já estão impacientes e inquietos olhando para fora. Bella desce e, lá de baixo, joga beijos para os dois, debruçados na janela do quarto andar. Marvin late como que ordenando que a dona voltasse, enquanto Charlotte observa quieta. Marvin e Charlotte a acompanham com o olhar enquanto ela joga as bolsas no banco de trás do carro no hall, entra, espera a garagem abrir e sai. Somente neste momento os dois descem da janela, beliscam a comida, se espreguiçam e se deitam nas costas do sofá. Enquanto ela deita tranquila, Marvin deita como o guardião da casa, como um vigilante noturno que dorme preparado para qualquer intempérie. Em alguns segundos Charlotte está dormindo, enquanto Marvin está deitado atento a tudo. Charlotte e Marvin são um casal de Pugs, de dois anos de idade. Ela alegre e brincalhona e ele mal-humorado e sério. Ambos completamente apaixonados por Bella. O que não é uma coisa muito rara de acontecer, como veremos ao longo desta estória.
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Max ficou muito tentado a esperar Bella sair do banheiro, mas foi sensato e resistiu ao seu arroubo romântico. Depois de derrubar suco na camisa de uma das maiores atrizes do país, nem na comédia romântica mais rasgada o mocinho ainda teria chance. Pediu informações a um rapaz que passava, encontrou o caminho e saiu da produtora. Do lado de fora, pensou em voltar e falar com Bella, mas lhe faltou coragem e sobrou bom senso. Ele viu que ela mal havia olhado para ele, mas ainda assim teve medo de ser reconhecido e ser vítima do ódio eterno de Bella. Aquela blusa que ele molhou devia custar uns cinco meses de trabalho dele.
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Max não é apelido, nem corruptela de Maximiliano ou Máximo. O pai de Max era aficcionado pelos Beatles e quis homenagear a banda dando ao filho o nome de um dos personagens de uma de suas músicas, Maxwel´s silver hammer. O fato de o Max da música ser um menino psicopata que matava as pessoas com um martelo prateado causou apreensão na mãe de Max e nos seus professores na escolinha, mas esta preocupação logo se dissipou em virtude de Max ter sido uma criança calma e tímida E ao contrário do que costuma acontecer com pessoas cujos nomes são homenagens a ídolos dos pais, Max adora o seu nome. Quando alguém pergunta se é Max de Maximiliano, ele prontamente responde: “Max de Maxwell’s Silver Hammer”. Ninguém entende, mas ele fica tremendamente orgulhoso. Isso sem falar que ele também é um grande fã dos rapazes de Liverpool. Que o diga o Ringo, que é um gato vira-latas com um nome vindo diretamente de Liverpool.
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Bella é corruptela de Isabella. Com dois “L”. O pai de Bella era Adido Comercial do Brasil e trabalhava na Europa na época em que ela nasceu. Ele tentou vários nomes italianos como Francesca e Valentina, mas somente Isabella passou pelo crivo da esposa. Os dois “l” foram negociados durante dias, mas o pai de Bella enfim obteve êxito e ela carregaria para sempre esse charme no nome. Isso sem falar que ter “Bella” como apelido é o sonho de qualquer menina. Como não podia deixar de ser, ela adora o próprio nome, mas tem vergonha de se apresentar como Bella. Ela acha que soa muito pedante. Mal sabia o pai de Bella que o nome da filha seria uma oportuna descrição para a belíssima mulher que ela viria a se tornar.
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Naquela manhã, Max e Bella não sabiam, mas estavam se dirigindo para o mesmo lugar. Porém, as jornadas serão bem diferentes. Bella mora na praia da Barra da Tijuca, há apenas uns quarteirões da produtora para onde ambos de dirigiam naquela manhã. Já Max morava em Niterói, uma cidade vizinha ao Rio de Janeiro. Enquanto Max estava praguejando no trânsito, Bella havia parado em uma lanchonete. Depois de quarenta minutos de um farto e primaveril café da manhã e de um longo e calorento engarrafamento, chegaram quase juntos ao seu destino: uma produtora chamada Focus. Bella iria filmar um comercial para uma marca de cosméticos enquanto Max iria lá para uma reunião de um roteiro que ele ia fazer para a produtora. Quando Bella estacionou o carro na porta da produtora, duas funcionárias já a esperavam. Menos de um minuto depois de as três entrarem na casa, Max conseguiu estacionar o carro há quatro quarteirões de distância e veio andando, no sol. Depois de tocar a campainha por dez minutos, uma mocinha de óculos atender Max mas não sabia do que se tratava, o que resultou em uma espera de quinze minutos em uma cadeira caríssima, mas feita de pedaços de metal colados tão confortável quanto se sentar em uma rede de arame. Ao fim da espera, o levaram para uma sala cujo ar condicionado só seria ligado vinte minutos depois, com a chegada de uma produtora e do diretor da empresa. Enquanto isso Bella estava em outra sala, sendo maquiada. A reunião de Max rolou normalmente, tirando o fato de que sua bunda estava toda arranhada da cadeira da recepção e de que ele estava suando em bicas.
Mais tarde, ainda naquele dia, Max chegou em casa ainda pensando em Bella. Ela era bem mais bonita ao vivo que na TV, e, sem dúvidas, muito mais charmosa e apaixonante. Bella também chegou em casa pensando em Max, mas em matar aquele idiota que havia estragado sua blusa preferida. Exatamente ao mesmo tempo, ambos ligaram o computador e entraram no Facebook. Enquanto Bella xingava Max de todos os palavrões possíveis para sua amiga Amanda, Max zanzava pela internet sem conseguir parar de pensar nela. Em um arroubo de ousadia, Max procurou o perfil de Bella e a adicionou. Como a foto que Max usava era uma caricatura e Bella o havia olhado pouco, de tanta raiva, ela em instantes aceitou o pedido de Max sem nem saber quem ele era, levando em conta o fato de terem diversos amigos em comum. Nervoso, Max procura sua amiga Isa no bate papo e começa a contar o que aconteceu de dia. Fala da produtora, do trabalho, e, logicamente, de Bella. Ele fala que encontro com Bella, que ela é tão linda quanto ele imaginava, mas que ele, idiota, havia derramado uma garrafa de suco na blusa favorita dela, e que agora ela provavelmente o odiava para o resto da vida. Isso sem falar que era o meet cute mais cliché do mundo – entornar bebida na roupa dela. Nada sério jamais começaria com esse clichê. Depois, falou e falou sobre a beleza de Bella e sobre o quanto ele gostaria de pedir desculpas a ela e, se ela não o matasse, convidá-la para sair. Não bastasse ser um roteirista duro e desconhecido, ele agora havia causado a pior impressão possível. Mesmo Isa não respondendo, Max continuou falando e falando. Do outro lado, Bella se assustou com aquele estranho contando todas aquelas coisas e demorou alguns bons minutos para perceber que aquele era o cara que havia derramado suco nela. Como Max ainda não havia percebido, ao invés de falar com sua amiga Isa, ele havia falado com Isabella – Bella, como ele a conhecia. E, sem saber, ele estava falando sobre a Bella para a própria Bella. Depois de ler todo aquele depoimento bobo, Bella começou a achar até fofo e entrou na conversa. Pelo que ela lembrava, ele podia até ser meio desastrado, mas até que era bonitinho:
Bella: Chama ela pra sair, Max!
Max: Tá maluca? Ela me odeia, nem deve lembrar da minha cara!
Bella: Ah, era só uma blusa.
Max: Uma blusa que eu não conseguiria comprar em um ano de trabalho!
Bella: Mas mesmo assim é só uma blusa! – disse Bella, e resolveu provocar ainda mais. – Faz o seguinte: adiciona ela no Facebook, pede desculpas e chama ela pra sair.
Max: Eu já adicionei, mas não tenho coragem de falar com ela!
Bella: Fala sim, Max! Garanto que ela não vai ligar!
Max: Como você sabe?
Bella: Eu sei. Te garanto. Vai lá, puxa assunto com ela e chama ela pra sair. Ela vai aceitar.
Mesmo sem entender de onde a que ele pensava que fosse Isa havia tirado toda aquela confiança, ele resolveu seguir o conselho. Foi até a lista de bate-papo e procurou o nome de Bella. Não encontrou. Imaginou que seu nome fosse Isabella, e assim ele a encontrou. Isabella Fernandes. Clicou na janela e nada aconteceu. Clicou de novo, nada. Quando estava prestes a desistir, Max percebeu que a janela de bate papo não abria por um motivo muito simples: ela já estava aberta… Max ficou em dúvida entre botar a culpa no xarope com a validade vencida ou dizer que seu computador havia sido hackeado. Durante os poucos mas longos segundos em que passou olhando para a tela, Max só conseguia pensar em o quanto havia sido idiota – pela segunda vez no mesmo dia, e com a mesma pessoa. Foi então que chegou uma mensagem de Bella:
Bella: Não vai falar com ela?
Max gelou, mas, no fundo, ficou aliviado porque ela não estava com raiva. Titubeante, digitou algumas palavras:
Max: Nossa, desculpa… Achei que fosse outra pessoa e falei um monte de besteira…
Bella: E tá arrependido?
Max: Claro, tô morrendo de vergonha!
Bella: Não precisa ficar com vergonha. A blusa era do meu patrocinador, vou pedir outra. Mas como a sua amiga disse, a Bella só vai te perdoar se você chamar ela pra sair.
Max não podia acreditar naquelas palavras. Quis tirar uma foto, um print da tela e emoldurar, mas se conteve.
Max: Sair? Eu? É… Então, Bella, quer sair comigo?
Bella: A sua amiga não disse que eu ia querer? Ela é uma ótima conselheira. Quero, mas sem suco de laranja.
Depois de passar o atordoamento de Max, combinaram de se ver ainda naquela noite, em um restaurante perto da casa de Bella. Eram umas cinco da tarde e Max teria menos de quatro horas para se recompor e encontrar com ela. Bella saiu para tomar banho e passear com os cachorros, mas Max demorou uns quarenta minutos para se levantar da cadeira e acreditar no que acabara de acontecer.
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