A hora de morar junto
Sim, daqui a alguns dias cruzarei a fronteira que faz com que, oficialmente, eu deixe de ser uma senhorita e passe a ser uma senhora. E esta reta final tem sido uma verdadeira montanha russa de emoções. Em alguns momentos, na subida, tudo parece lindo. Você recebe carinho de amigos, ganha presentes (quem não gosta?). Depois, vem à fase da descida e toda adrenalina: contas para pagar, inúmeros detalhes da comemoração para serem vistos, obras atrasadas, dificuldade para entregar convites, detalhes da decoração e lembrancinhas para serem feitos por conta própria. Sem falar nos instantes de looping, quando nos encontramos em uma fase de suspensão: tentamos imaginar quais serão as conseqüências práticas deste sim, mas a ficha ainda demora a cair.
Esta inquietação triplica quando esta mudança de status vem acompanhada de uma nova residência. Tudo isto porque a transferência de endereço não pressupõe apenas um novo espaço para se viver. Requer a construção de um lar, que envolve uma nova atitude em relação à vida e à pessoa que divide o teto com você.
Quando moramos com os nossos pais, muitas vezes temos a impressão de fazer parte de um filme da Disney, no qual volta e meia aparece uma fada para dar uma mãozinha na hora do aperto. É ela quem lava a louça, arruma a cama, faz com que roupas sujas fiquem cheirosas e sejam cuidadosamente guardadas na gaveta. E as embalagens de lasanha congelada, refrigerante e pizza? Também são magicamente colocadas na lixeira pela nossa amiga competente. Já a geladeira e o armário da dispensa funcionam como portais conectados com a mágica fábrica de Willy Wonka, onde há uma seção secreta de congelados e comidas suculentas, protegidas por Oompa-Loompas e Bonecos de Massa, que mudaram de ramo depois que os Power Rangers se aposentaram.
Quando nos mudamos, passamos por uma mutação semelhante a do Capitão América. Recebemos um soro com doses cavalares de responsabilidade e iniciativa e passamos por um curso intensivo de utilidades domésticas, gastronomia, materiais de construção, finanças e burocracias rotineiras. Isto sem falar na convivência com a pessoa escolhida para estar ao seu lado. Mesmo que você já conviva com ela por anos, acredite, é diferente. Há dois estilos de criação em jogo, dois conjuntos de rotinas e gostos envolvidos, o que aumenta a necessidade de cultivar a paciência e a tolerância a dois. É nestes valores que você deve se agarrar ao se deparar com falhas do outro que são bem irritantes, especialmente ao vivenciar uma discussão. Nesta hora, aquela velha estratégia de sair para a casa da mamãe para esfriar a cabeça torna-se ultrapassada e infantil e passamos a ter respirar fundo e sentar para conversar ou simplesmente relevar e perdoar, afinal a vida não precisa ser um festival de “DRs”.
Por mais que estejamos ansiosos para sermos mais independentes e ter um cantinho para chamar de nosso, onde vigoram as nossas próprias regras, é fato que esta reviravolta nos deixa inseguros. Lembra um pouco aquela sensação de quando se está doido para dormir pela primeira vez na casa de uma colega, mas se sente saudade dos pais. Eu não senti isso quando era mais nova, mas minha prima chorava horrores, perdia ao chão. Talvez, tudo varie conforme nos posicionamos diante dos desafios da vida.
Neste momento, sinto que largar a estabilidade com a qual estava acostumada é ainda um caminho de incertezas. Um percurso que vale a pena ser percorrido por saber que terei alguém ao lado para dividir alegrias, problemas e talvez as mesmas inquietações e, sobretudo, por encarar esta transformação como um desafio pessoal. Racionalizamos demais, ficamos muito receosos com o futuro e, por isso, nos arriscamos pouco. Talvez seja a hora de nos abrirmos a novidades, nos familiarizarmos com o desconhecido na marra e de (re)descobrirmos facetas do nosso eu. Vivendo, só assim aprendemos.
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