Até quando vou dormir sozinho?
Às vezes, leia-se quase todo dia, demoro para dormir. Penso demais, e isso, com certeza posterga o sono. Faço redemoinho dos sentimentos que me habitam; descarto os desnecessários e conservo os que ainda trarão beleza. E quando todos já estão a dormir, fico vendo filmes e séries, como se eu nem precisasse trabalhar amanhã; me perco em livros, como se a realidade não fosse tão linda como os livros que leio; ensaio diálogos e futuros hipotéticos, como se eu pudesse prever o que há por vir.
Essa fração de tempo, entre o pensar e o dormir, é como se fosse um balanço harmônico do dia, do mês ou, em raras exceções, do ano. Nesse oceano que a gente mergulha antes de dormir, cativo de solidão e melancolias, boas e ruins, a gente distribui energia para o que almeja, reorganiza as prioridades dos amores e dos sonhos que virão e, como se fosse justo, deixa que a responsabilidade do peso que a gente carrega seja levado pelo inexplicável poder que uma noite de sono tem.
Há tempos sou esse misto de solidão e necessidade de companhia. Confesso que há dias em que agradeço aos céus por estar sozinho, brincando com as loucuras do meu mundo interno, cozinhando o que me vem à mente, ouvindo as músicas que me tocam o coração, mas há dias em que abro a janela somente para ouvir os carros passaram, ou me entrego a uma simples televisão ligada, só para me sentir menos sozinho. Esse misto de solidão, que tanto gosto, com essa saudade de companhia, que tanto preciso, é uma linda história de anos.
Passo dias escrevendo em total solidão, vasculhando o que há aqui dentro, tentando descobrir as tristezas e alegrias existentes, minhas e dos outros, e bebendo vinho – mesmo eu não bebendo vinho frequentemente, mas achei que daria um tom de elegância ao texto. Para mim esse tempo é tão precioso, tão único, tão meu. É como se minha alma e meu corpo estivessem juntos, sincronizados. Todas minhas companhias, ou a grande maioria delas, sempre souberam respeitar o meu espaço. Souberam conter um pouco da sua carência, ou da sua simples vontade de estar junto, só para me deixar voar nas palavras que, sem dúvidas, são as minhas melhores amigas – elas nunca me traem. Fico feliz e totalmente entregue quando elas, as minhas companhias, sabem respeitar a tranquilidade solitária que meu coração precisa.
Um calor feito a dois é uma saudade. Fato incontestável. Não somente pelo esquentar dos pés, mas, porque quando se divide as cobertas, não se divide somente as cobertas, ou o calor que há na gente, mas se divide os sonhos, os anseios, as preocupações, o mundo interno que há dentro de nós. E eu estaria mentindo caso dissesse que não sinto saudade de admirar a pessoa amada ao meu lado dormindo. Mas na maioria das vezes não há milagres para ter alguém ao nosso lado, tão rapidamente, que não seja somente um momento de suprir carência. E, sinceramente, não faço questão de mais um vazio, tenho tantos aqui dentro.
Com o contar dos dias, que passam sem nos pedir licença, a gente aprende que quanto mais a alma recebe silencio, mais ela está preparada para receber um amor. Saber esperar, sem preencher um vazio com outro, é uma maturidade linda. É conseguir preencher a saudade de um amor com outros amores; sejam eles livros, músicas ou o abraço da própria companhia.
Hoje durmo sozinho, porque assim escolhi, mesmo volta e meia podendo escolher diferente. Acontece que a minha cama é grande, mas, infelizmente, ela é muito seletista e não aceita somente dois corpos. Ela, indiscutivelmente, quer duas almas. E pessoas com almas não se fazem em uma noite.
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