Caçar pokémons é legal, mas cê já experimentou procurar os amigos?
Caçar pokémons deve ser legal, não dá para supor algo diferente; ou não haveria tanta gente correndo atrás desses seres por aí, certo? Porém, se você tem pouquíssimo tempo livre em seu dia, como vive a reclamar, recomendo que o use de maneira mais inteligente e construtiva. Como? Use-o, por exemplo, para caçar papos e jeitos de viabilizar encontros verdadeiros (mais para frente entenderão o que quero dizer com “verdadeiros”) com seus amigos.
Largue um pouco a pokébola e, se puder, utilize seu telefone para criar eventos memoráveis fora do universo virtual, onde Pikachus e Bulbasaurs não têm vez. Saca? Reunir amigos não eleva sua quantidade de XP, eu sei. Mas é bem da hora, juro! E gera memória boa para ser evocada em dia de vazio sem causa, sensação de acolhimento e outras coisas que nem o encontro com o mais raro dos monstrinhos japorongas pode proporcionar. Está me acompanhando ou está de olho em ninhos, hein?
Hoje, graças à oferta infinita e encantadora de entretenimento virtual, estamos nos afastando, sem perceber, do universo real. Temos optado por distrações mais fáceis e imediatas, movidas por teclas, que podem ser realizadas sem que precisemos descolar a bunda do sofá. E mesmo nas vezes em que deixamos o nosso lar, continuamos com o portal para o mundo virtual aberto, em nossas mãos, desprezando a porção de estímulos e sentimentos que só podem ser absorvidos, de fato, se nos desconectarmos da ilusão.
Cheiros? Estamos demasiadamente vidrados em telinhas para senti-los; andamos tão preocupados em não perder atualizações com cheiro de pixel que perdemos, sem ao menos notar, o aroma de Damas da Noite, tangerinas e cafés recém-coados. Pele com pele e olho no olho? Nem quando estamos à mesma mesa, compartilhando refeições, bebida e espaço. Pois, estranhamente, temos preferido permanecer perto – mesmo que de maneira rasa e ilusória – daqueles que estão longe, ignorando oportunidades imperdíveis de interagir, profundamente, com gente que está apenas a um abraço de nós.
Não sou contra os avanços tecnológicos. Pelo contrário! Quantos galhos eles me quebram, não é mesmo? Quantas e quantas possibilidades, que a meus pais e avós nunca foram oferecidas, eles me proporcionaram, certo? Só acho que precisamos aprender a dosá-los em nosso tempo cada dia mais escasso. Ou, apesar dos tantos supermercados virtuais de amigos (redes sociais), vamos nos sentir cada vez mais solitários e distantes de matéria humana. Não compreende? Explico: estamos rodeados por avatares e maneiras mirabolantes de interagir com eles, porém, há uma grande diferença entre “emoções” e “emoticons”, apesar de o segundo termo ser um derivado do primeiro. Emoções potentes, meu amigo, como penso que uma emoção inesquecível precisa ser, dificilmente nascerão de carinhas amarelas seguidas por corações. E antes de começar a relutar, e dizer que o mundo mudou e que estou velho demais para entendê-lo, sugiro que marque, para amanhã, um encontro com seus parças. E não só isso: quando estiver perto deles, mantenha o celular desligado. Sério. Tente extrair o máximo desta oportunidade imperdível. Afaste-se do resto, daquilo que pode esperar (ou morrerá se não descobrir o que estão comentando em seu Instagram?), e deguste o momento sem moderação, de corpo inteiro. Eu sei que, agora, é possível estar, ao mesmo tempo, em vários mundos. No entanto, se optar pela presença simultânea em vários universos, precisará se diluir, não tem jeito, e acabará, inevitavelmente, uma presença aguada em todos eles. Compreende? Então, por favor, no encontro de amanhã, mantenha toda a sua energia no lugar em que estiver, e desligue-se de todo o resto, pelo seu bem. Seja a matéria humana que, ironicamente, está faltando neste mundo pra lá de povoado.
Mais urgente do que dar respostas às mensagens que recebe sem parar, e que fazem seu bolso vibrar, é entender que menos, em muitos casos, é mais. Serei mais claro: quando parar de se dividir para manter um pezinho em cada ilusão, com certeza mais do que absoluta, somará mais, em todos os sentidos.
Voltando aos pokémons: só os usei para tornar o título e início de texto mais atrativo e com um quê de polêmica, para pararem de ler sobre a Fátima e o Bonner e clicarem nele. A verdade é: esses monstrinhos bizarros não são o problema, nunca foram. Nem as redes sociais e as tantas ferramentas que podemos baixar assim, ó, num estalar de dedos. Em minha opinião, o problema é não saber lidar com tanta fartura, e escolher, apenas, permanecer distante de onde realmente está pisando e daqueles que, com a ponta dos dedos, podem sentir a aspereza do seu arrepio. Vou além: o que me preocupa é perceber que o quebra-galho tem sido utilizado como se fosse prato principal; já que os “Miojos do mundo moderno” (soluções tecnológicas rápidas e práticas), que deveriam ser utilizados somente como plano B, vêm sendo utilizados sem moderação, como se fossem tão nutritivos e interessantes quanto “alimentos para a alma à moda antiga”, capazes de suprir as necessidades sentimentais humanas como ninguém. Você está me entendendo? Ainda fazendo analogias com o universo da nutrição/comida: por preguiça e outras drogas, nós nos tornamos muito suplemento e pouca comida de verdade.
Se você sabe extrair o melhor do mundo virtual sem deixar de aproveitar aquilo que não pode ser deixado de lado do mundo real, ótimo, este texto não é para você. Porém, se você fica caçando pokémons e tweetando nas poucas oportunidades que possui para se aproximar (coisa que, a meu ver, é mais do que “estar perto”) daqueles que importam você, pense bem. Reflita. Reflita um bocado. E mesmo que seus amigos ainda não tenham refletido a respeito, e continuem alienados e achando que contato por grupo de WhatsApp já é suficiente, de um jeito de caçá-los, de arrancá-los dos ninhos onde permanecem por dias e dias, alimentando-se, apenas, do que não sacia a alma. Ou mande-me à merda, feche este texto e atropele um filhote fofo de labrador albino para conseguir capturar um pokémon raro (calma, coloquei esse final só para dar polêmica. Eu sei que você não faria isso. Faria?).
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