Coloridos

A gente era só amigos. Juro. Sabe aqueles amigos que contam tudo um para o outro? Ok, quase tudo. Minhas coisas de menina eu ainda escondo, mas jogo algumas maluquices no ar, e ele que se vire! E que me ajude! Já cansei de ouvi-lo reclamando da bunda de tal menina que ele levou pra cama, do beijo de outra que pegou numa festinha e, inclusive, dos sonhos eróticos que volta e meia tem com alguma amiga nossa.

O problema é que as coisas mudaram. Teve um dia em que eu fui falar do meu ex (que por sinal é um grandessíssimo cafajeste) e ele não quis me ouvir. Eu conheço as crises existenciais dele e aquela não era uma delas. Numa outra vez, enquanto ele falava da Paula (uma amiga nossa que ele via de vez em quando), eu não quis continuar ouvindo. Ainda o mandei contar vantagem com os amiguinhos dele de que comeu (de novo!) a mesma menina.

Até que um dia a gente se aproveitou do álcool e deu um passo que nunca tínhamos tido coragem, mas claramente já imaginado. Muitos amigos já tinham sugerido que tentássemos e falavam que alguém tinha que arriscar, mas concretizar a situação nunca tinha passado pela minha cabeça. Cá para nós, é claro que sempre rolou uma avaliação. Ele é daqueles morenos bonitos, nem alto nem baixo, e todas aquelas conquistas no currículo se tornaram más línguas, que dizem muita coisa. Nunca tapei meus ouvidos, mas sempre freei as segundas intenções.

No começo foi um choque. Aquele cara que me respeitava tanto, de quem eu sabia tanto, que era tão meu amigo, de repente embolava a língua na minha. Eu pensei até em me desvencilhar, pensei em como era errado e pesava o fato de que éramos amigos na verdade, mas estava altinha o suficiente pra deixar um pensamento tímido me invadir: “Não, peraí, isso tá gostoso! Eu preciso saber como é para saber se quero mesmo ou não, né! Vou aproveitar mais um pouco.”

Na real, a gente sabia o que estava fazendo.

A grande merda é que, depois de beber e dormir com o seu melhor amigo, você acorda com ressaca no corpo e na consciência. Eu tive vontade de espancá-lo, mas, sabe como é, foi só ele acordar e me beijar para rolar tudo de novo. Pronto. Estava estabelecida a primeira amizade colorida da minha vida. Puta que pariu, era tudo que eu não precisava!

Eu gostava de dormir com ele. A amizade continuava por aparência, mas o ciúme rolava solto nos bastidores. Aliás, impossível dizer que nada mudou. Muda, sim. As brincadeiras acabavam se tornando cobranças, que mesmo ainda lights, enchiam o saco depois de um tempo. Às vezes, a gente só ficava de conchinha e pegava no sono para poder estar nos braços um do outro.

E aí começou a ficar estranho.

O que aprendi nisso tudo é que não adianta fingir que nada aconteceu. Rolou, foi bom, valeu. Não é que não pudesse virar amor ou romance. Não que a gente não confiasse o bastante para deixar rolar. É que, no fundo, concordávamos que era só sexo, mesmo sendo bom, sendo gostoso. Antes que a relação acabasse de vez, paramos.

Se você me perguntar se eu faria tudo de novo, eu responderia que sim. Não troco nada do que rolou por um “se”. Tivemos que reaprender a nos respeitar. Beijo e sexo tinham passado, e a demasiada intimidade tinha nos atrapalhado. Precisamos reprogramar a cabeça para a amizade.

E a amizade já era amor suficiente.

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