Como se interessar por alguém sem interesses?
Você, assim como eu, provavelmente conhece alguém que, quando começou a namorar, perdeu toda a luz própria e que passou a existir apenas para manter a vida do parceiro iluminada. Um ser que, com medo de enciumar a parceira, deixou o time dos amigos desfalcado. Uma pessoa que, para evitar brigas bobas com o novo namorado, nem em aniversários vai mais. Estou certo? Todo mundo – até o Kaspar Hauser – conhece alguém assim.
Ouvi dizer que até o pai do Fiuk, no maternal, também agiu assim. Eu também já fiz isso: quando a paixão em mim bateu pela primeira vez, achei que se eu me dedicasse somente aos prazeres e interesses dela, mesmo que para isso eu precisasse abrir mão de todos os meus sonhos, eu seria mais amado e a manteria interessada por mim. Doce ilusão. Amarga confusão. Sabe por quê? Pois se tornar um cachorrinho obediente ao seu parceiro, por mais nobre que tal mutação possa parecer, é a receita perfeita para fazer com que ele perca a admiração por você. E sem admiração, pode acreditar: não há laço capaz de perdurar. Arrisco dizer que é justamente ela, a admiração, o principal pilar e o maior responsável por manter o amor firme em relações nas quais a loucura da paixão inicial já foi amansada pelas notas de sobriedade que, com o tempo, inevitavelmente chegam, fixam nossos pés no chão e sopram as nuvens para longe de nossas cabeças.
Cara, por mais que o futebol com os seus amigos aumente as chances de fazê-la entrar em alguma paranoia boba, não deixe de entrar em campo e de ficar para a cevada-hidratação que será aberta após o apito final. É sério! Mesmo que ela faça um bico de pato quando você entrar em casa trançando as pernas, ao perceber que você não é um poodle submisso e que faz questão de preservar os seus gostos, ela continuará a admirar você, mesmo sentindo vontade de esbofetear a sua face. O mesmo vale para você, cara amiga, que em hipótese alguma, mesmo se ele tirar as calças e começar a sapatear sobre elas, deve deixar de vestir uma roupa dentro da qual você se sente linda e de sair, como sempre amou fazer, com as suas amigas de infância. E daí que ele se contorcerá de ciúme? Mil vezes pior seria se ele olhasse para você e só enxergasse um ser submisso e sempre pronto para trocar o seu programa preferido por um jogo do Palmeiras com ele. Aí, minha cara, como namorada você seria apenas uma fiel e previsível dama de companhia.
Preste muita atenção no raciocínio a seguir: numa tentativa de blindar a relação, tendemos a evitar atitudes, mesmo que prazerosas a nós e não nocivas ao namoro, que podem gerar algum tipo de atrito com a parceira, porém, justamente por agirmos assim, feito escravos que aceitam, sem reclamar, uma vida sem opinião ou vontades, a parceira acaba perdendo a admiração por nós e, consequente, perde também a vontade de permanecer ao nosso lado. Não poderia ser diferente! Como amar alguém que parece não se amar? Como querer ficar ao lado de alguém que parece não ter preferências e que resolveu passar os dias disputando espaço com a nossa sombra?
“Para onde foi aquele homem cheio de vida, interesses, vontades e opiniões?”, ela se perguntará, ao olhar para o lado e perceber que você diz “sim” para tudo. Não estou falando para ser sempre do contra, irmão, mas discordar não quer dizer que você não a ama mais. Mostrará, apenas, que você está vivo e que tem pensamentos próprios.
Pode parecer contraditório, mas, mesmo que ela não goste de homens com bermudas, de cabelos raspados e de barbas compridas, se você mudar completamente o seu estilo somente para agradá-la, provavelmente, será tão admirado quanto as Barbies com as quais ela brincava quando criança. É lógico que você pode, sem abrir do que gosta, fazer pequenos ajustes para vê-la mais feliz, mas quem se poda a ponto de abrir mão de tudo em que acredita, certamente, perde todo o brilho e, principalmente, o elemento que cativa o interesse. Como se interessar por alguém sem interesses?
Não escrevi este texto para que se tornem pessoas egoístas e incapazes de ceder às vontades do parceiro. Nada disso! Como em tudo na vida: nem oito e nem oitenta. Apenas lembre-se: sem amor-próprio você não será admirado e, se não for admirado, ficará mais sem sal do que comida de hospital.
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