E se não tivéssemos nos encontrado?
E se não tivéssemos nos encontrado, hein? Já pensou nessa hipótese assustadora? Eu, muito provavelmente, ainda estaria perdidão; procurando, inutilmente — e dentro de bocas que só sabem cuspir futilidades —, por algum sentido ou qualquer coisa capaz de me desfibrilar. Ou ainda estaria em busca de um boteco aberto para me envenenar de jeito, de golinho em golinho, de cerveja em caipirinha em Campari em conhaque em “A mais forte que você tiver, por favor!” em “Água? Nem fodendo!”… Acompanhado por desconhecidos que se embriagam porque ainda não descobriram o barato que dá um cafuné sincero como aquele que você costuma aplicar, imoderadamente, em meu cocuruto cada vez menos cabeludo.
Se por preguiça paralisante, Tarantino na tevê ou febre de ferver os miolos eu não tivesse ido àquele bar no memorável dia em que nos misturamos pela primeira vez — e para sempre! —, como será que estaríamos agora? Será que teríamos nos conhecido alguns outonos depois na linha verde do metrô, na fila da pipoca ou na rua Augusta? Ou será que ainda estaríamos perambulando por aí, sem eira nem beira, entre prédios, muito tédio e falsos remédios?
Se não tivéssemos nos esbarrado de jeito, será que teríamos sobrevivido às nossas desilusões e aos vales-desesperança que cada uma delas cravou em nós? Será que nossas almas raladas já teriam cicatrizado? E o nosso coração, como estaria neste momento? Batendo à toa, apenas apanhando ou totalmente anestesiado?
Se não tivesse se apaixonado pelos meus dentes levemente separados e pelo ranzinza que me possui quando meu estômago começar a roncar, será que teria se encantado por alguém mais alto, menos ansioso e que, diferentemente de mim, não se apavora quando o avião chacoalha? Ou ainda estaria na pista da balada, bailando nos braços de euforias passageiras que, no instante em que findam, dão lugar a vazios duradouros e a ressacas angustiantes?
E se eu não tivesse lhe surrupiado uma bitocona naquele táxi, hein? Teríamos nos tornado “nós”, ou meu “eu” não teria tido outra chance de mergulhar sem atrito no seu? Será que você teria me chamado de lerdo e afirmado às suas amigas que prefere caras com mais atitude? Ou teria me classificado como “moço à moda antiga”, simplesmente, do tipo que chega na manha, no sapatinho? os Rolling Stones, estariam tão presentes em seu iPod se você tivesse desistido de mim no começo de tudo, quando eu, por medo de não conseguir mais esconder a enorme vontade de querer ficar, evaporava da sua casa logo cedo?
Se tivesse dado uma nova chance a algum erro do seu passado em vez de me dar bola, quem ousaria encher o seu saco nos dias em que você dorme de cabelo molhado e só come junk food? Posso saber? Seu ex-namorado? Duvido. Se você não tivesse aguentado esperar pelos séculos que precisei para perder o pavor de amar de novo, será que hoje estaria planejando passar o Réveillon com alguém que a quer tanto — e tão bem — quanto eu? Ou será que, neste exato momento, estaria se segurando para não bocejar por causa de um papo balada-bíceps-proteína?
O que seria de nossos domingos se as nossas vidas não tivessem tão deliciosamente emaranhadas? Como enfrentaríamos a iminência certa da segunda-feira e a insuportável voz do Faustão? Tem alguma ideia? Se não tivesse seu timbre para roubar a atenção dos meus ouvidos e seu corpo para atrair a mira dos meus olhinhos apertados, será que eu seria capaz de sobreviver às tragédias e canalhices divulgadas pelo Fantástico? Ou será que cairia em depressão profunda após constatar que todo final de semana termina com crimes hediondos, flagrantes de corrupção e meu time tomando um sacode?
Teríamos ido a Madri, Lisboa, Santiago, Paraty e Jacutinga se não tivéssemos nos trombado no centro sujo de Sampa? Ou teríamos viajado, apenas, a destinos aconselhados a seres solitários como éramos?
Se não tivéssemos nos embolado, perdidamente, a quem eu ligaria quando o pânico toma conta de mim? A um psicólogo? A um amigo que divide o mundo em “coisa de macho” e “coisa de fêmea”? Ou a uma puta que sorriria, de orelha a orelha, ao descobrir que, às vezes, só quero uma mão sobre meu peito e um “você não está morrendo, eu sei!” dito com firmeza.
Se você não estivesse totalmente costurada à carne do meu corazón, será que eu estaria namorando outra? Ou será que eu estaria tentando curar, com cachaça e fodas casuais, as dores de um chifre — mais um! — recém-descoberto?
Quer saber? Foda-se o que seríamos se não fôssemos o casal que somos. Não importa. O importante, de fato, é que nos achamos em meio a este monte de coisa nenhuma. E que fazemos muito rock e amor até mais tarde.
Obs: texto do livro “Não quero um amor meia-boca”
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