Ela é à prova de balas e decepções
De manhãnzinha, às duas da tarde, ela acorda num domingo em plena segunda-feira. Olha o relógio e, mesmo atrasada, caminha como quem vence o tempo quando quiser. Faz seus mandamentos matinais tim-tim por tim-tim sem se preocupar com as buzinas lá fora, as correrias do dia a dia e as chacinas por aí. “Dane-se o mundo”, ela canta.
Nunca soube como ela faz para acordar tão bonita. Vez em quando, enquanto estamos dormindo, abro os olhos apenas para olhá-la e ver quais são seus truques noturnos para ficar assim tão linda logo ao despertar. Ela? Ronca como um bebê, de boca escancarada, toda zoneada ocupando três quartos da cama e ampliando a área do colchão sobre mim. Sabe-se lá como acorda enfeitada naturalmente, com teus cabelos sobre o rosto, uma boca seca de quem pede um beijo e bochechas vermelhas de quem sonhou à vera.
Devora o cigarro como quando era uma criança gordinha e apreciava picolés de chocolate. Nunca vi uma menina tão linda tragando um cigarro fedido que até consegue ficar bonito naquelas mãos delicadas. Ela diz que só fuma quando bebe ou quando está nervosa. Mas quando está feliz, bebe para comemorar e acaba fumando. E quando se zanga, fuma, também.
Só não fuma quando está triste. Quando se chateia, ela dorme em si própria de olhos abertos e coração apertado. E quando cisma em ficar triste, é difícil preencher um sorriso em seu rosto. Mas quando teima em ser feliz, diabo nenhum consegue apagar teu brilho. E não adianta tentar feri-la, ela seguirá sorrindo um riso de quem parece ser à prova de balas e decepções. Ninguém sabe dizer se é falsete ou coisa assim. No fim, ela sorri de qualquer forma.
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