Ela não sabe recomeçar, por isso a vida recomeça nela
Ela chorou a noite toda, chorou até não ter mais lágrimas, até esvaziar a dor. Quanta dor um ser humano pode suportar? Quantos sonhos alguém aguenta enterrar? Quantos futuros alguém aguenta construir em vão? Essas perguntas, esses pequenos tormentos interrogativos inundam os ouvidos dela, sons que não podem ser silenciados, pois são gritos que vem de dentro. Gritos que só ela pode escutar.
Anoiteceu dentro dela, anoiteceu sem estrelas, só existe uma escuridão que paralisa uma escuridão que invade sem ser convidada, os sonhos bonitos que ela tinha, foram embora levando toda a luz e o calor do amanhã. Ela só quer se fechar em si mesma, não quer receber palavras de otimismo dos escritores, não quer sentir o consolo das palavras dos amigos, não quer falar, não quer ouvir a sua própria voz. Ela se tornou uma mão fechada que protege a palma de vida que ainda resta.
Revirou o baú dos momentos passados em busca de um pecado qualquer, uma maldade que ela cometeu intencionalmente, procurou na gaveta dos momentos para ver se existia alguma palavra afiada e ensanguentada que ela usou para magoar alguém. Não encontrou, tinha se portado com ternura e até nos seus momentos de fúria, ela não agrediu, ela ficou em um momento de silêncio, para não magoar as pessoas ela se despetalou.
A ausência do choro sempre é a solidão mais sentida, o choro também não estava mais naquele quarto. Só restava ela, completamente sozinha cercada de pessoas, um grito que o mundo silenciou como quem tira o som dos comerciais desagradáveis da televisão.
A noite começou a se vestir de laranja e ela sorri, primeiro com um leve som sem mostrar os dentes, depois uma risada tímida e sem asas. Agora ela gargalha em meio aos soluços, espasmos e lágrimas. Ela ri de si própria, ela ri porque não entende a razão de estar emocionada por um céu azul e um sol infantil que acabou de nascer no horizonte.
Ela não sabe recomeçar.
Por isso a vida recomeça nela.
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