Ele é só meu amigo – Uma crônica engraçada sobre ex-namorados e ciúmes
A minha relação com o ciúme é como a minha relação com a miopia: eu não sei o que é não ter. Sou míope desde os quatro anos de idade, e dizem as más línguas que, no dia em que eu nasci, chorei de ciúmes ao ver a enfermeira correr para dar atenção a um bebê que estava se engasgando com alguma coisa. “Ele é mais importante que eu?”, eu teria dito, se soubesse fazê-lo à época. Eu sou ciumento. Não muito. Mas também não pouco. Numa escala entre não ligar para a namorada ter um melhor amigo gay e ficar tranquilo se aquele ex babaca dela a chama para sair “coincidentemente” quando a namorada dele está fora da cidade, eu seria um meio termo.
Mas uma coisa que faz aflorar o meu Incrível Hulk do ciúme é o famoso “ele é só meu amigo”. Essa frase é a aranha radioativa que me transforma em um monstro. Poucas coisas irritam mais um namorado do que essa frase. Para começar, quando a mulher fala isso, ela está garantindo subliminarmente algo que ela não pode garantir: que o “amigo” não tem nenhuma intenção oculta com ela. Ela pode não ter, mas se ele tem, só ele pode saber. Ele e o meu soco inglês embebido de álcool e escrito “amor de mãe”. Mas ela não pode ter certeza disso.
Outro ponto é o seguinte: em que momento da evolução humana o homo sapiens evoluiu, deixou de ser homem, se transformou em amigo e o pau dele caiu? O homem de Neanderthal evoluiu, passou a andar ereto, aprendeu a usar ferramentas, o polegar opositor e a olhar pra bunda de mulher na rua sem a namorada perceber, aí virou o homo sapiens. Aí o Homo Sapiens evoluiu, começou a falar sobre esmaltes e novela, reparar em celulites, virou amigo, e o pau caiu. Aí ele pode ser amigo da minha namorada sem problema nenhum, logicamente. Porque a única razão pra um argumento como “Não se preocupa com ele” funcionar sem questionamentos é o fato do “ele” em questão não ter pau. Tem pau, eu não confio. E mesmo assim é bom ele não ter pau, dedo, língua e ser cego. Mudo é diferencial competitivo.
Isso sem falar que essa coisa de não ficar com amigo não faz o menor sentido, nem vou falar disso de tanto que já se falou. Como é o processo? Você conhece uma mulher, dá em cima dela, rouba a carteira dela, clona o cartão de crédito e aí sim ela se apaixona? E isso de “Ah, amigo não é homem”. Realmente, semana passada eu fui fazer um cadastro na internet e tava lá: sexo: masculino, feminino e amigo. Botei amigo, claro. Queria ver se ela fosse amiga do Rodrigo Santoro. “Ah, não, Rodrigo, sabe que que é? Você é uma delícia, o nome do meu vibrador é Rodrigo Santoro em sua homenagem mas não rola, nós somos só amigos”.
E tem também a hierarquia. Assim como um gordo legal é gordo antes de ser legal, e como um advogado vesgo é vesgo antes de ser advogado, um ex é ex antes de ser amigo. Se é ex, não é amigo. É ex que virou amigo. Mas antes de ser amigo, ele é ex. Antes de ser amigo, ele já viu sua namorada nua e até algumas vezes ela não precisou estar nua. Antes de ser amigo, ele já escreveu uma letra dos Los Hermanos pra ela e já mandou algum texto da Martha Medeiros para ela. Isso tudo bem antes de ser amigo. Ser careca é referência na rua. Ser ex é referência na vida. É como um pipoqueiro nazista. Antes de ser pipoqueiro, ele é um nazista. E pensando bem, é preferível que sua namorada tenha um amigo nazista do que um amigo ex-namorado. Se bem que um nazista faria muito mais falta para o mundo do que um ex-namorado, caso algo desse errado.
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