Este não é mais um texto sobre amor

Tem um amigo que conheci faz um tempão em aulas de karatê. Ele é ranzinza e brigão, mas com bom coração. Semana passada bebíamos umas cervas com outros amigos e ele me largou essa:

– E aí, vai escrever sobre amorzinho e coraçãozinho agora?

Fiz que não entendi. Ele explicou que estava acostumado com meus textos “para homens”, sobre “cinema, música, literatura”. Respondi que esses temas também interessam as mulheres. Ele sorriu de um jeito meio irônico, e falou:

“Escreve então lá no EOH algo que não seja sobre amorzinho”.

O problema é que descobri uma coisa com meu primeiro texto no Entenda os Homens: curto falar de amor. Foi por isso que aceitei o convite do Fred para escrever no Entenda os Homens. Pretendo falar de outras coisas, até para provar aos machistas que mulher curte também literatura, cinema e outros assuntos. Porém, o coração humano é um tema rico e empolgante demais para ser abandonado.

Mas fazer o que? Meu amigo me desafiou e é questão de honra. Então esse texto não será sobre amor. Será sobre o desamor e como fazer para que ele se instaure na sua vida. Pode parecer espantoso, mas isso é incrivelmente fácil. Perigosamente fácil. Basta fazer seguir os seguintes quatro passos.

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Em primeiro lugar, use cada mágoa para se fechar, ao invés de se abrir. Quando se ferir, retraia-se. Quando tiver medo, fique paralisada. Quando se decepcionar, endureça. Crie uma couraça como um rinoceronte, uma carapaça feito uma tartaruga. Recolha-se em si mesma como um tatu-bola e não volte a se abrir, porque o amor exige um coração aberto e disposto a não se paralisar diante da dor.

Seja uma pessoa apressada. Convença-se de que está sempre muito ocupada, com coisas demais para fazer. Corra, não tenha tempo de descansar e ficar a toa, não tenha tempo de olhar para os lados e prestar a atenção em pequenos detalhes do mundo ao seu redor. Pise no acelerador, não desperdice nenhum segundo saboreado o instante. “Não tenho tempo para isso” será seu lema. O desamor gosta da pressa.

Pratique a auto-recriminação. Critique-se. Se você for alta, recrimine a si mesma se por ser muito alta. Se for baixa, critique-se por ser muito baixa. Seu cabelo não é liso e é difícil de pentear, mas se for liso lamente não parar qualquer penteado. Implique com suas gordurinhas até se sentir culpada, mas não faça academia e não cuide de sua alimentação. Incomode-se com sua magreza até ver-se como uma tábua sem atrativos. Seu pé é feio, sua orelha chama a atenção, qualquer coisa que não lhe faça perfeita pode servir para a auto-recriminação. A culpa é sua, não importa pelo que. Sinta baixa autoestima e depois recrimine-se e culpe-se por sentir baixa autoestima. Pense que você não tem jeito, e não te amam por algo que você é, fez ou deixou de fazer. Logo o desamor terá fincado raízes profundas dentro de você.

Compare. Não tenha uma só alegria ou tristeza sem conferir como estão os outros. Acostume-se a medir sua felicidade não por aquilo que você sente, mas pela distância comparativa entre você e suas amigas, amigos e familiares. Com isso você viverá entre a inveja e a soberba, respectivamente a terra e o adubo para o crescimento do desamor.

Faça tudo isso durante um mês, depois volte e me diga se deu resultado. Ou melhor, sejamos práticos: pergunte-se o quanto você anda fazendo essas coisas no seu dia-a-dia, e com sinceridade responda para você mesma o quanto de desamor isso pode estar adicionando a sua vida. Ninguém precisa saber a resposta, só você.

Ao final de um texto que não é sobre amor, mas sobre desamor, me pego com sensação de que, no fundo, falei apenas de amor. E talvez isso seja uma verdade, pois é quando não estamos falando de amor que ele está mais presente. Invocado ou não invocado, o amor está sempre conosco – e talvez mais fortemente ainda quando nos esforçamos para ele estar ausente.

É assim porque, sem amor, somos uma concha vazia, uma casca oca. Mas esse espaço vazio tem exatamente o volume e os contornos daquilo que não está ali, daquilo que foi extraído de seu devido lugar pelo desamor. E aí compreendemos as palavras de Drummond, quando disse que devemos “amar a nossa falta mesma de amor, e na secura nossa amar a água implícita, e o beijo tácito, e a sede infinita”.

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