Estou apaixonado, e ele é gato!
Até o último sábado, eu costumava dizer: “Eu nunca terei um gato!”. Afirmava isso porque eu… Por que será que eu falava isso, hein? Por ignorância, óbvio! Por desconhecimento, claro! De tanto que ouvia outros desinformados metendo o pau nos gatos e dizendo que os felinos são burros, egoístas e que estão pouco se fodendo para os donos, eu, como um papagaio que repete frases sem sequer averiguar a veracidade delas, continuava a maldizer todos os seres que miam. Até que um troço minúsculo, parecendo decidido a testar os meus reflexos de motorista, apareceu do nada, bem no meio de uma estrada de terra mineira. Puta susto! Quase capotei… Mentira, falei só para elevar os níveis de dramaticidade.
Então a minha namorada – a mesma que morre de medo de mato e de ser atacada por insetos voadores -, sem pensar duas vezes, obrigou-me a parar o carro, e correu destemidamente por entre as moitas para agarrar o pulguento amedrontado que não parou de espernear até que déssemos o gole de leite a ele. “Leite, Ricardo Coiro? Você é idiota?”, você que sabe o mínimo a respeito de nutrição felina me dirá, em tom de bronca. É, minha cara, agora eu sei que não devemos dar leite comum aos bichanos. Mas o que você queria que eu fizesse? Dentro da geladeira da casa em que estávamos só havia leite e cerveja, e o filhotinho visivelmente tentava extrair colostro de todas as minhas extremidades. O bichinho só não comeu o pires porque eu não permiti. E alguns minutos depois, já bem mais calmo e após receber doses cavalares cafuné, ele supreendentemente dormiu sobre meu colo. Capotou.
Olhar para aquele gatinho à beira do ronco e em modo “ronronation” mexeu comigo; assistir àquela deliciosa falta de movimentos assustados – os mesmos que minutos antes chegaram a me parecer imparáveis – trouxe-me paz, bem-estar. Foi amor à primeira cochilada. Amor inesperado, confesso. E de repente eu me senti totalmente responsável por uma vida que, até aquela soneca, para mim era uma fêmea (não vi saco, oras!) ainda sem nome.
Aí o meu instinto paternal – se é que humanos podem se considerar pais de gatos – aflorou, loucamente. Transformei uma caixa de Skol em cama e uma camiseta em lençol, acordei com os galos para procurar uma ração apropriada, pedi dicas a uma senhorinha que também estava na gôndola de pets do mercado, fiz Tupperware virar banheira, travei batalhas épicas contra um exército de pulgas ninjas, gastei uma nota preta para pagar um veterinário e, por fim, contrariando os limites do meu pequeno salário de escritor e as tantas afirmações idiotas que eu já havia feito acerca dos gatos, decidi que assumiria – sem necessidade de exame de DNA – todas as responsas de pai; resolvi que farei o necessário para que ele tenha uma vida oposta àquela que ele certamente teria se ficasse sozinho naquele mato com cachorros, gaviões e cascavéis e humanos, o quê, às vezes, é bem pior do que qualquer outro predador.
O que mudou em minha vida desde que adotei esse arranhador de móveis? Hoje, além de literatura brasileira e legendas de filmes, eu também leio blogs que dão dicas sobre gatos; tirei uma pinta da coxa achando que se tratava de um carrapato; estou todo arranhado e picado por pulgas; agora eu acordo por causa de miados famintos, e não mais devido às marteladas dos pedreiros que trabalham no andar de cima; não vejo mais os fios elétricos como eu enxergava antes; estou pensando em fazer uma portinha em minha porta para que o gato passe sem abrir caminho aos pernilongos do demo; aprendi o significado da palavra “ronronar”; ganhei furos em camisetas novas; tenho ido à Cobase mais do que vou ao bar e passei a peneirar fezes como se eu estivesse à procura de ouro. Só isso? Claro que não! Estou feliz pra caralho, e essa felicidade agora já tem um nome de acordo com o sexo verdadeiro: Temaki. Ué, não curtiu? Queria que ele se chamasse como? Lucas Lucco? Nem fodendo!
E sempre que olho para o meu pequeno príncipe brincando com uma bolinha de papel ou sentado no topo do sofá da sala de TV, com alegria eu me lembro do que felizmente virei: tornei-me eternamente responsável por aquilo que aprendi a cativar e que tanto me cativa.
Obs: espero que o Temaki se sinta querido quando tiver idade suficiente para ler este texto.
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