Eu achei que a gente se amava
Sabe, cara, eu acreditei que a gente era pra sempre, afinal, por que não haveríamos de ser? Se eu não acreditasse nisso, não teria desperdiçado tanto tempo investindo em nós dois. Tudo bem que a gente discordava em algumas coisas, eu detestava a sua toalha molhada sob a cama e você não podava reclamações sob a minha calcinha pendurada no banheiro, eu tinha aquela paixão por fast food, enquanto você ostentava um gosto refinado de quem sabe de cor os melhores pratos franceses, cê tinha um equilíbrio irritante e aquele bom senso que batia de frente com a minha falta de percepção pra normalidade, mas e daí? De certa forma, era isso que nos tornava um casal quase perfeito, não era? Batíamos de frente em quase tudo, mas só quando o tédio ficava insuportável e a gente não se aguentava. Era a nossa forma de dizer eu te amo. Ou não?
Você exclamava e eu relutava, eu explanava e você silenciava, eu berrava, chorava, esperneava, você me acalmava, e depois gritava, também, numa tentativa insana de descobrirmos quem tinha o tom mais alto, mas que mal há nisso? No fim, sempre acabávamos no chão do quarto desejando que a noite durasse só mais alguns minutos para que pudéssemos nos afundar ainda mais nos braços um do outro. Eu me perdi em você numa dessas madrugadas em que o relógio congelou pro nosso beijo durar mais. Eu me perdi em você, cê entende isso? E esperava que você tivesse se perdido em mim, mas eu estava errada. Nós não fazíamos sentido pra quem via de fora, no fundo nem pra gente, só que tudo bem, não é? Amor não precisa fazer sentido. Certo? Amor não faz sentido. Era isso que eu vociferava pela janela enquanto você enfiava um saco de roupas no porta-malas do carro e pedia pra que meu escândalo fosse menor. Não dava, cara, gritar era a única forma que eu tinha pra te pedir que ficasse um pouco mais.
Cê queria um tempo pra pensar na vida e eu queria ser a sua vida, a conta não tava batendo, eu tinha a sensação de que, em algum momento, haviam me tirado da minha própria história e eu estava perdida em algum lugar que eu não conseguia ter certeza de onde era. Como é que você podia ir embora depois de tudo? Como você podia afirmar que tinha cansado daquela nossa esquizofrenia? Que estava machucado demais pra continuar tentando? Tudo entre nós era meio doido, mesmo, mas doído não. Como é que você podia olhar nos meus olhos e jurar que o nosso amor feria? A gente se amava e amor não dói, certo? Eu te amava, muito, descontroladamente, e a única coisa que me estilhaçava era te ver ligar o carro pra ir embora. Você não tinha o direito de fazer aquilo com a gente, você não podia fazer aquilo comigo.
Eu acreditei que a gente era de verdade, que tudo era de verdade, as promessas, os beijos, os carinhos, os abraços, o futuro, os sonhos, e o amor. Mas eu me enganei. Nossa história não passava de uma grande mentira. Você não passava de uma grande mentira. As promessas e todo o combo que veio com elas eram mentiras. Um teatro bem interpretado por alguém que precisava gastar um tempo antes de partir para o próximo espetáculo, mas o que eu sentia, cara, não era brincadeira. Eu perdi o compasso quando não consegui interpretar na sua falta de feição que cê tava vazio e fui me preenchendo com a ideia de que, da nossa maneira, estávamos dando certo. Nunca demos, amor, agora eu sei. Não se ama sozinho, não é? E eu amei você por nós dois, enquanto eu ia me enganando que a gente se amava igual. Essa foi a minha grande merda, o problema é que ela não para de feder.
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