Eu gostava muito de te conhecer um pouco
Sabe, dia desses eu ouvi as pessoas falando de você.
Achei curioso. Prestei atenção. Fazia tempo que não acontecia. Você não deve desconfiar, mas ouvir falar de você é algo cada vez mais raro na minha rotina. Talvez seja excesso de zelo por parte dos outros, mas você é um daqueles assuntos ruins que as pessoas evitam, sabe? Tipo nepotismo, teste do sofá e o helicóptero de cocaína.
As pessoas sabem da minha dor e evitam falar de você. Acho bacana da parte delas. Elas te tratam como assunto velado, mas nesse dia, talvez eu parecesse estar sob efeito de anestesia, e elas falaram sem muito pudor.
Elas falaram sobre as suas piadas sem graça, sobre o seu jeito expansivo e o seu humor parecido com o meu. Elas falaram sobre seus trejeitos de menino, sobre a sua falta de bom senso e sobre o final do filme que você contou para todo o mundo sem nem perceber.
Por um momento confesso que fiquei feliz por não falar com você. Eu e você sabemos que nada nessa vida é sem querer e eu bem sei que é do seu feitio estragar o filme dos outros. Só não te conhecendo mesmo para achar que foi sem querer. Ingenuidade deles. Ingenuidade de quem te conhece pouco.
Só sei que as pessoas falaram de você e eu as invejei um pouco. Eu invejei a ingenuidade delas. Invejei o quanto elas te conhecem. Invejei porque lembrei que é realmente muito bom te conhecer só um pouco.
Fiquei pensando naqueles tempos e senti saudade de quando eu não te conhecia direito. Senti saudade de quando eu achava que você era extrovertido, bem resolvido e desenvolto. Senti saudade de quando eu achava que sua energia era boa e seus sorrisos de alegria. Senti saudade de quando eu não sabia que em regra você sorri por insegurança e que às vezes é por angústia ou agonia.
Senti saudade de quando eu achava seu sorriso bonito. De quando eu não sabia que existe um dente de prata escondido lá no canto. Senti saudade de quando eu desconhecia os medos e perdas que seu sorriso disfarça e o emaranhado de confusão que a sua boca guarda. Senti saudade de quando eu não sabia que os sorrisos genuínos são muito poucos.
Senti saudade de quando eu não conhecia sua desordem. De quando eu achava que você era uma pessoa fácil e positiva. Senti saudade de quando eu desconhecia seu vitimismo, seu pessimismo e sua face ranzinza.
Senti saudade de quando eu te achava grande. De quando eu desconhecia suas vergonhas e a sua pequenez. Senti saudade de quando eu desconhecia sua inabilidade em lidar com os problemas e essa sua mania irritante de se achar uma grande vítima da vida. Senti saudade de quando você não era previsível. De quando eu desconhecia seu repertório de piadas prontas e de quando seu humor me surpreendia.
Só sei que eu senti saudade. Senti saudade de quando eu não sabia que você é um solitário cheio de amigos e que se acha tão indigno de ser amado, que desacredita dessas bobagens de fidelidade e amor. Senti bastante saudade dos tempos em que eu não percebia que é a insegurança que afrouxa o seu valor.
Senti saudade de quando eu admirava os seus gostos e a sua boa educação. Senti saudade de quando eu não sabia dos seus gostos duvidosos e da sua falta de retidão.
Senti saudade de quando eu não sabia que você se acha tão ruim que é incapaz de retribuir o carinho de quem mesmo te conhecendo bem, te acha bom. Senti saudade de quando eu contracenava com o seu personagem. De quando eu não te conhecia direito e gostava um pouco de você. Você sabe… É difícil gostar muito do que se conhece pouco, e agora, pensando bem, isso seria muito bom.
Senti saudade de quando eu te conhecia mal e as coisas iam bem. Senti saudade de quando eu te conhecia pouco e confesso que lamentei um pouco por não poder desconhecer. Te conheço muito ou te desconheço…
O melhor mesmo é fingir não conhecer.
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