Eu sei que ser mulher não é nada fácil
Acordei no corpo de uma mulher. Meus seios haviam crescido consideravelmente e meu pau, estranhamente, pela primeira vez na vida, não balançou quando pulei da cama.
A princípio, quando no espelho vi meus olhos borrados de rímel e lápis, pensei em me matar. Pensei mesmo, confesso. Pois, sair de casa encarnado naquele corpo feminino me pareceu algo impossível de ser encarado. Mas, depois de muito chorar e borrar ainda mais a maquiagem que acordou impregnada em mim, aceitei a experiência inusitada, afinal, sabia que se um dia voltasse ao meu corpo de homem, entenderia bem melhor as mulheres.
Antes de qualquer outra coisa, precisava mijar e, o ato que nunca havia sido motivo de irritação, tornou-se estopim para certo martírio, quando sentei nas gotas velhas da minha própria urina, displicentemente deixadas na tampa do vaso no dia anterior. Mijei sentado e aquilo era apenas o começo de uma aventura bizarra.
Já com a bexiga vazia e ligeiramente mais confortável na pele de uma fêmea, resolvi que precisava levar minhas novas tetas para passear no parque para, com sorte, entender melhor a arte de ser uma mulher. Mas, antes de deixar meu apartamento, precisava me desvencilhar daquela cara de panda, então, sem saber como remover aquela tinta que parecia ter sido tatuada em mim, esfreguei meu rosto com álcool. Minha face rapidamente ficou vermelha, meus olhos arderam e pior: a porra da tinta ainda estava lá. Depois, movido pela ardência, contorci-me no chão frio do banheiro e resolvi tentar com sabonete. Esfreguei a pele umas dezoito vezes e, no fim, após quase amputar as pálpebras, a epiderme e a derme, consegui tirar quase todo aquele petróleo que parecia colar mais do que Mack Color.
Já com a cara limpa, decidi que precisava me vestir, então, corri para o armário da minha namorada em busca de algo. Vesti a maior calcinha que encontrei por lá e, quando senti um pedaço de pano se esconder entre minhas nádegas, quase retomei a ideia do suicídio, mas respirei fundo e prossegui. Depois, chegou a hora de cobrir as “peitolas” e, meu caro, quer saber? Eu que sempre me atrapalhava na hora de retirar sutiãs, quando tive que colocar um, preferi um quebra-cabeça de oitocentas peças. Pensei até em ligar pro Marcão, para pedir ajuda, mas não saberia como explicar minha mutação e ainda correria o risco de ele tentar me comer. Desisti do sutiã e pensei: “Seria mais fácil trocar, simultaneamente, a fralda de quadrigêmeos hiperativos”.
Para cobrir meu corpo depilado, e permitir que eu saísse à rua sem cometer atentado ao pudor, um jeans me pareceu algo simples de vestir e adequado para a situação, entretanto, desisti, quando percebi que precisaria da ajuda de sete lutadores de MMA para fazer com que minha coxa malhada entrasse naquela roupa infantil. Acabei dentro de um vestido e, para complicar ainda mais minha vida, tive que calçar um sapato de salto alto, pois minha namorada não tinha nenhuma opção térrea. Quase quebrei o tornozelo e senti certa vertigem ao ver o mundo lá de cima, mas continuei, pois sabia que aquela experiência faria de mim um escritor melhor.
Assim que entrei no elevador, meio bamba(o), com passos de bêbada(o), deparei-me com o Zé, meu, até então, querido zelador. Ele secou minhas tetas como faria um bebê bem atrasado para mamada e disse um sonoro “oi”. Não gostei de descer 12 andares com aquele bigode branco apontando para meus mamilos, mas desci.
Já na rua, percebi que todos os olhares masculinos se voltaram para mim e, claro, para meus mamilos que, para piorar meu constrangimento, endureceram quando entraram em contato com a brisa gostosa daquela manhã. Continuei a caminhada, segui em frente tentando não cair do salto e os olhos, do pedreiro ao executivo, continuaram pousando sobre mim. Senti vergonha e pensei: “Se um dia voltar ao meu corpo de homem, olharei para as mulheres com mais respeito”. Não recebi apenas olhares, mas também elogios bem escrotos. Acreditem, fui chamada(o) de “delícia”.
Quando tudo já estava mais do que estranho, senti um líquido quente escorrendo pelas minhas coxas. Olhei para baixo, vi o mar de sangue e, apesar de conhecer aquele fenômeno, senti uma súbita vontade de desmaiar. Sangrava muito. Parecia que eu tinha tomado um tiro na vagina. Fiquei em choque. Os homens, que ali passavam, não sabiam se olhavam para meus mamilos pontiagudos ou para o sangue que escorria pelas minhas coxas. Para minha sorte, logo fui abordada(o) por uma bela morena que, ao notar minha hemorragia, ofereceu-me ajuda, ou melhor, um O.B. e eu, enquanto torcia para que ela fosse lésbica, aceitei o tampão vaginal.
Corri para um café lotado e, sem me importar com a cara perplexa dos clientes que lá estavam e sem ligar para as gotas que derramei pelo caminho, tranquei-me no banheiro apertado. Tirei o pano que estava escondido entre as nádegas, olhei para o O.B., que mais parecia um míssil do capeta, respirei fundo e pensei: “Vou, literalmente, me foder”. Eu, que não gosto nem de tomar comprimidos, de repente, me vi dentro de um banheiro minúsculo, sangrando e decidida(o) a inserir uma rolha em mim. Senti vontade de chorar, juro. Pensei em me afogar naquela privada. Mas, como sempre, engoli uma porção de oxigênio e, com um movimento veloz, introduzi aquele corpo estranho em mim. Naquele segundo, pensei em fazer uma estátua em homenagem a todas as mulheres do mundo. Como é que elas suportam isso? E pior, além de enfiar aquilo na perereca, ainda precisaria sair andando com aquele monstro dentro de mim. Foi foda. Abri a porta do banheiro e, sem olhar para os lados, corri em direção à saída do café.
Precisava voltar para casa, não aguentava mais aquele bebê alien dentro de mim. Então, erroneamente, achando-me já capaz de correr sem descer do salto, ao tentar atravessar a rua, antes do farol fechar, tropecei e fui atropelada(o).
Acordei assustado, suando e com o coração acelerado. Logo procurei meu pau e, desta vez, o safado estava lá, duro, como em todas as manhãs normais. Levei as mãos aos seios e eles haviam diminuído. Corri para o banheiro e sorri feito bobo ao ver minha barba de mendigo. Para ter certeza que eu era eu mesmo, ainda fiz um “pirocóptero” e ele girou perfeitamente. Foi lindo. Respirei aliviado e pensei: “Ser mulher não é nada fácil!”.
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