Fidelidade não é um contrato
Hoje em dia existe um manual de instruções para todos os aspectos da vida, e as pessoas já nem se dão conta de que não tomam as decisões por si, mas o fazem seguindo o manual, seguindo o fluxo das convenções. E sempre achando que estão seguindo suas próprias ideias, seus anseios, quando, na verdade, estão tomando as suas decisões tanto quanto um lemingue toma a sua decisão de se jogar do precipício junto com os outros lemingues.
São cristãos que tentam ser “bondosos” porque a Bíblia manda, são pessoas de esquerda que pensam “no social” para seguir a doutrina, são pessoas de direita que são contra o aborto “porque a direita pensa assim”, são casais que tentam se manter fiéis para não quebrarem “os votos matrimoniais” criados há milênios pela Igreja Católica, são meninas que se mantém virgens mas fazem todo o resto porque “precisam se preservar para o casamento”. São ratos de laboratórios correndo atrás da comida quando veem a luz piscar, com a diferença que nós, humanos, achamos que controlamos a luz que pisca. Mas não controlamos. Ela nos controla.
É o sujeito que não tem o menor respeito pela pessoa com quem ele está porque “não temos um relacionamento formalizado”. Nos relacionamentos então, essa característica é bem mais evidente. “Se não estiver namorando oficialmente não é traição”. “Se não combinaram de não ficar com outras pessoas, não é traição”. Traição com quem? Com a Entidade Superior dos relacionamentos que dita que até o momento do “quer namorar comigo” vale tudo? Bom, vale tudo se o casal quer que valha tudo. Vale tudo se as pessoas estiverem sendo honestas com elas e com as outras. Não vale tudo se isso não passar de um “brecha na lei”, o famoso “we were on a break!”, do Ross, em Friends.
Não é traição ficar com uma pessoa estando apaixonado por outra, só porque ainda não há nada “formal”? você não está traindo seus sentimentos, a confiança do outro? O Chico Anysio disse uma coisa em uma entrevista no programa Roda Viva que eu vou levar comigo para sempre. “Eu sou fiel a partir do momento em que me apaixono”. Não é uma convenção. Não é um anel no dedo, nem um pedido de namoro de joelhos ao som de Wando. É ser fiel a você mesmo, ao que você sente, ao que a outra pessoa representa pra você.
Não estou aqui tentando subverter nada, nem atentar contra os relacionamentos. Sou um fã irrepreensível deles e sempre serei, mas me incomoda essa linha imaginária traçada entre o que pode e o que não pode, só por conta de um papel assinado ou de um “namora comigo” em um bilhetinho dentro de um churros de doce de leite. Você não começa a namorar ou se casa para obter exclusividade, muito menos para poder COBRAR exclusividade. A fidelidade não se dá a um papel ou a um acordo, mas a um sentimento, a uma pessoa. Quem é fiel a um papel ou a um acordo é como um cristão que só é bom por medo da punição divina: não passa de um cão adestrado. Não é fiel por amor, mas por “respeito” a um contrato. E quem quer alguém que trata um relacionamento como um contrato de compra e venda de um apartamento?
2 comentários abaixo sobre Fidelidade não é um contrato
Muito bom!
Seu texto me fez lembrar de uma unica frase. “Queremos prazer, não queremos responsabilidades”. Qunata falta de empatia da sua parte redigi palavras tão desonestas como as que li. “Cão destrado” quanta falta de respeito de sua parte, quanta falta de empatia, faltou respeito, e muito!