Já posso voltar?

– Não sei por que ainda estou aqui, com você! – ela gritou, abafando os meus berros; visivelmente contaminada pela epidemia de insensibilidade disseminada por aquela discussão. Mais um bate-boca. Bobo como todos os outros.

E ouvir aquilo, depois de tudo que eu já havia feito por ela – e para ficar com ela -, doeu mais do que mindinho amassado por gaveta em dia de inverno. Doeu pra burro. Machucou pra cacete. E me incentivou a dar uma resposta impensada, impulsiva; moldada por um ódio passageiro, porém, naquele instante, indomável:

– Se não sabe o porquê, tchau!

Ela pegou a bolsa, virou as costas para minha cara de “não acredito que fará isso” e partiu. Bateu a porta. E, comigo, deixou apenas um bocado de silêncio e uma dose cavalar de arrependimento por ter dito algo que, claramente, era apenas reflexo de vaidade espancada, ego desafiado.

Nos dez dias seguintes, não nos falamos. Nenhuma mensagem chegou. Também não enviei letra alguma. Nada. Nem um “Você tá bem?”, um ” Liga no Multishow,  rápido! Tá passando um show dos Stones” ou uma carinha amarela feliz. Nada. Permiti que o orgulho guiasse os meus atos, ou melhor, a total falta deles.

Depois de ter bebido umas e muitas outras, confesso, até cheguei a escrever um pedido de perdão. Mas logo apaguei. “Ela que errou!”, pensei, como costumam fazer as crianças mimadas. E não dei o braço a torcer. Não assumi a minha considerável parcela daquela imbecilidade.

Até que, quando a falta de contato já beirava o insuportável, o Chicão (meu porteiro) me disse que, na portaria, havia uma carta para mim. O título: “Agora eu sei o porquê”.

“Giuliano,

Eu menti, confesso. Menti porque me senti ofendida por seu tom de voz. Menti porque me senti baleada por seus olhares enfurecidos. Menti porque, naquele instante de guerra, mentir me pareceu a única forma de colocar você de joelhos e de desnortear os seus argumentos sempre tão certeiros. Menti quando disse que não sabia por qual razão eu estava ao seu lado.

Eu sabia. E ainda sei. Quer saber também?

Eu estava ao seu lado – e espero que você me permita voltar – porque, ao lado de nenhum outro, eu me senti tão perfeitamente abraçada; como se eu tivesse nascido sob medida para ser enlaçada por seus braços infinitos e coberta pelos seus carinhos improvisados. E mesmo nos dias em que você estava bem longe (no Canadá), eu me senti completamente protegida por seu zelo paternal, e me senti, também, acompanhada por um amor presente, que parece não conhecer limites geográficos ou o preço abusivo das ligações de longa distância.

Eu estava ao seu lado – e espero que você me permita voltar -, pois desconheço lugar melhor para estar. Agora, sem saber o que fazer com o controle da minha TV – que sempre ficava sobre o seu peito -, eu finalmente entendi que as minhas gargalhadas não eram reflexo das comédias que alugávamos ou das plantinhas que fumávamos, e sim da alegria que eu sentia quando você estava por perto, pronto para buscar o edredom no armário, a pizza na portaria e o açúcar esquecido no fundão do meu coração.

Eu estava ao seu lado – e espero que você me permita voltar – porque, perto do seu colo, todos os outros, parecem-me totalmente desconfortáveis e ásperos.

Eu estava ao seu lado – e espero que você me permita voltar – porque, quando penso em sua forma de me olhar, todos os olhares que conheci parecem não ter foco algum; ou melhor, parecem não conseguir me olhar por dentro. Você, meu bem, sabe me deixar transparente, de alma nua.

Eu estava ao seu lado – e espero que você me permita voltar – porque, ao invés de escrever outros mil motivos pelos quais é nos seus braços que quero estar, eu preciso – nem imagina quanto – passar mais um tempo com você. Quanto? Uma vida já basta.

E aí, já posso voltar?”

Eu disse “sim”, obviamente. E nunca mais a deixei sair sem a certeza de que vale a pena ficar.

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